
Gil, um show para sentir
Gil anunciou o seu show mobilizando radicalmente a emoção dos fãs. É a sua despedida das turnês nacionais e internacionais, aos 82 anos

Foto: Reprodução
Comparar fenômenos incomparáveis não faz sentido. Mas quem foi ao show de Maria Bethânia e Caetano Veloso na Fonte Nova no ano passado e, agora, viu Gilberto Gil, no mesmo lugar, acabou, voluntariamente ou por estimulação, diante de perguntas sobre a experiência vivida nos dois espetáculos. Não são, óbvio, espetáculos comparáveis. Mas o fato de, para os baianos, muito mais que para os fãs de outros estados, Bethânia, Caetano e Gil (e Gal) serem vistos como uma entidade coletiva, por sua gênese nos anos 60 e pela trajetória em seis décadas de carreira, a comparação se tornou praticamente inevitável.
O fato de os dois shows terem sido realizados no mesmo lugar, com as dimensões do ineditismo e da grandiosidade que isso representa na carreira dos três, tem convidado a leituras sobre os efeitos semelhantes e divergentes causados sobre a multidão que foi vê-los sabendo o quanto esses shows estavam longe de serem convencionais. Bethânia e Caetano nunca haviam feito juntos shows daquela natureza e o ineditismo tornava-se monumental por se dar em um estádio de futebol com capacidade para quase 50 mil pessoas. Gil anunciou o seu show mobilizando radicalmente a emoção dos fãs. É a sua despedida das turnês nacionais e internacionais, aos 82 anos.
Lágrimas e Carnaval
A agora santíssima trindade da música tem marcadores pessoais delimitadíssimos em suas respectivas obras, carreiras e performances nos palcos. Bethânia é a intérprete sagrada, uma entidade em cena. Caetano, o gênio das palavras que traduz em versos musicados o que parece indizível, um literato. Muitas vezes um antropólogo, um ensaísta sofisticado e uma ponte transformadora da canção popular brega em sonoridade cool. Gil, o poeta rítmico, o artesão que imprime à poesia o impulso que vai do sagrado esotérico ao forró e ao reggae dançantes, como se viu numa Fonte Nova que foi das lágrimas ao Carnaval.
São shows incomparáveis, mas falar sobre seus efeitos na multidão é possível sem hierarquizá-los e sem cair na vulgaridade reducionista da avaliação ‘qual foi o melhor?’. O show dos Veloso é escandalosamente bonito e emocionante, mas de uma beleza muito mais para ser vista, emoções mais embutidas do tipo que se experimenta (mais) só. O de Gil é um show catártico para sentir e viver, inclusive no corpo. Muita gente chorava e dançava. Ah, e Gil não vai encerrar a carreira. O show é uma despedida das turnês, não dos palcos.
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