De tirar o chapéu: Investimentos aliam movimento e resgate histórico, devolvendo charme à Rua Chile

Entrevista publicada originalmente no Jornal Metropole em 29 de agosto de 2024

A primeira rua do Brasil fica em Salvador. Difícil até imaginar o tanto de história que ela carrega e o tanto de eventos marcantes que ela sediou. Por outro lado, é fácil prever que, depois de tanto tempo e da negligência que costuma ser dedicada a nossos patrimônios, a rua caiu no declínio, perdeu vida, a vibração de outrora e parte de sua história - principalmente a partir da década de 1970, com a mudança do Centro Administrativo para a Avenida Luís Viana Filho (Paralela) e a expansão de novos centros comerciais.

Uma passada rápida pela história da rua traz um movimentado fluxo de mercadorias do Brasil colônia, um bombardeio em uma disputa eleitoral e uma sequência de sofisticadas lojas, hotéis, cine-teatros e espaços de lazer. Depois de seu apogeu entre as décadas de 1930 e 1960, o declínio veio galopante. Via e calçadas esvaziadas, deserto à noite, comerciantes fechando as portas. O cenário, no entanto, vem mudando nos últimos anos. Movimento, vida, atenção e cuidado àquele patrimônio e resgate à história estão chegando, não mais pelos bondes que cruzavam a rua, mas através de projetos de restauração dos prédios e abertura de suas portas para turistas e moradores.

O primeiro impulso

Em 2017, a reabertura do Fera Palace Hotel — icônico por sua arquitetura e por ter sido cenário do romance “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, de Jorge Amado — trouxe um novo fôlego à Rua Chile. O projeto de revitalização, liderado por Antonio Mazzafera e Marcelo Faria Lima, do Grupo Fera, deu início a uma nova fase, resgatando seu charme e importância cultural. Dois anos depois, foi implementado um projeto de requalificação da área, elaborado pelo mesmo grupo.

A avenida foi reformada e se tornou uma das poucas da capital sem aquele emaranhado de cabos e fios nos postes. Os trilhos por onde passou o primeiro bonde do Brasil também foram recuperados e deixados à mostra, expondo a história da cidade. As calçadas e toda pavimentação receberam paralelepípedo, resgatando a estética tradicional da Rua Chile. Foi um dos poucos exemplos de revitalização casada com o potencial histórico do lugar, afinal estamos falando da primeira rua do país.

Foto: Divulgação

Dose de coragem

A inauguração do Fera Palace Hotel e o processo de revitalização acabaram impulsionando e atraindo outros empreendimentos. Tanto que logo em seguida veio o Hotel Fasano, que restaurou o prédio do antigo Jornal A Tarde, dando continuidade a esse movimento de renascimento cultural e arquitetônico da região. Posteriormente surgiram ainda o Hotel Colonial Chile, a galeria de arte Galatea, uma das maiores do país.

Mazzafera revela que, na época, o Centro Histórico era desacreditado, até mesmo pelos baianos. Poucos encaravam a região como uma boa escolha de local para um empreendimento da grandiosidade do Fera. Alguns falavam que era coragem, já outros diziam que era loucura. O pensamento comum era que um estabelecimento deste nunca iria prosperar, pois o lugar estava “relegado e degradado”.

“Nós tivemos a coragem e a visão de empreendermos esse projeto. A gente viu uma coisa muito especial na Rua Chile, por ser a primeira rua construída no Brasil, e o primeiro empreendimento, foi, então, o Fera Palace”, conta o empresário.

Vida de volta à rua

No próximo dia 3 de setembro, uma nova vida à rua: a poucos metros do Fera, o histórico Palacete Tira-Chapéu será reaberto. Construído em 1917 pelo arquiteto italiano Rossi Batista, o prédio foi inaugurado como sede da associação de comerciários da Bahia, mas ficou abandonado por mais de 20 anos até ser adquirido por um grupo de investidores há quatro anos, também do grupo Fera Empreendimentos. Com a revitalização concluída, ele reabrirá suas portas ao público, sendo palco da mostra de decoração e arquitetura Casas Conceito 2024.

Mazzafera relembra como encontrou, há anos, o espaço abandonado: com estruturas comprometidas, alvo de furtos e invasões. Ainda assim, o empresário enxergou potencial de crescimento. “Nós adquirimos e resolvemos desenvolver um projeto também aberto para cidade, e é o que nós estamos fazendo ali no Palacete Tira Chapéu, transformar o lugar em um grande centro gastronômico, de design e de artes”, revelou.

Mas, mais importante do que o turista, os investimentos na Rua Chile vêm conseguindo atrair também os baianos, oferecendo restaurantes e bares que fazem parte dos hotéis. Afinal, é a população que dá vida às ruas o ano inteiro. Por isso, não demorou muito para nascer a ideia do Edifício Residencial Gorges, do outro lado da rua. Outro projeto do Grupo Fera, desta vez no prédio da antiga boate Holiday, totalmente abandonado há anos. Agora, ele dá espaço a 12 apartamentos com vista direta para a Baía de Todos-os-Santos. E Mazzafera já revela que há outros projetos residenciais na região. “A ideia é trazer as pessoas para morar no Centro Histórico e não apenas frequentar bares, restaurantes e shows, mas também para viver aqui”, explicou. Para ele, esse é um trabalho essencialmente para resgatar o Centro Histórico