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Doutores da farsa: em entrevistas fakes, atores usam nomes e credibilidade de médicos para divulgar medicamentos “milagrosos”

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Doutores da farsa: em entrevistas fakes, atores usam nomes e credibilidade de médicos para divulgar medicamentos “milagrosos”

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo denunciou vídeos onde atores interpretavam médicos e farmacêuticos prometendo medicações com resultados miraculosos, e acionou o Ministério Público e a Polícia Civil

Doutores da farsa: em entrevistas fakes, atores usam nomes e credibilidade de médicos para divulgar medicamentos “milagrosos”

Foto: Metropress/Sidney Falcão

Por: Daniela Gonzalez no dia 25 de julho de 2024 às 11:33

Atualizado: no dia 25 de julho de 2024 às 17:18

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 25 de julho de 2024

Vestidos de médicos e apresentando nomes e registros de profissionais reais, atores e atrizes aparecem diante das câmeras na internet para induzir a compra de produtos e procedimentos, que na maioria das vezes não têm sequer autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Na prática, o garoto-propaganda se passa por um profissional real que não faz ideia da farsa, e rouba sua credibilidade em troca de um cachê e lucro para a empresa fabricante. Quem também sai enganado é o consumidor, que além de comprar produtos fajutos levador por uma cena milimetricamente calculada para não parecer fake, ainda colocam sua saúde em risco.

Luz, câmera e falcatrua

Você, leitor, já pode ter comprado online uma dessas cápsulas ou tratamentos que prometem milagres a apenas um clique, mas a um custo salgado. Comprou imaginando que estava ali na sua tela um médico renomado, afinal ele apresentou nome, especialidade e até o número do seu registro no conselho. Pensava que não era um simples garoto-propaganda ou influenciador, era um médico sendo entrevistado. É aí que cai a lona desse circo: na verdade, tratava-se de um ator se passando por um profissional real, usando dados reais. Já não bastava o tanto de pseudo influenciador ditando regras e recebendo para influenciar o uso de medicamentos sem comprovação de eficácia, agora estão usando atores para roubar a credibilidade da medicina.

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo denunciou esses vídeos onde atores interpretavam papéis de médicos e farmacêuticos prometendo medicações com resultados miraculosos, e acionou o Ministério Público e a Polícia Civil para atuarem no caso. A maior dificuldade, como apontado pelo presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), Otávio Marambaia, é que a ação do Conselho de Medicina é especificamente sobre os médicos, que neste caso são apenas uma das vítimas desse picadeiro dos horrores.

“A publicidade tem o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Esse Conselho parece que, infelizmente, não está funcionando pelo menos nas redes sociais. O Conar deveria estar atento para defender a sociedade desses charlatões que fazem propaganda enganosa levando as pessoas a prejudicar a sua saúde”, afirmou Marambaia.

Foto: Reprodução/Youtube

Esquema saúde-fake

Nesta semana, foram reveladas algumas dessas peças publicitárias. Todo o esquema era formado por supostos profissionais que explicavam e promoviam remédios, até mesmo para combater uma tal de uma ‘superbactéria noturna’ que engorda as pessoas enquanto dormem. História de vendedor ou ator, não de médico. Uma atriz se apresenta de formas diferentes. Em um vídeo, interpreta uma endocrinologista; em outro, uma farmacêutica; aparece até como apresentadora de um programa chamado “Saúde em Foco”, com estúdio, câmeras, produção, uma enxurrada de led e microfones tecnológicos. Só faltava mesmo o compromisso com a verdade e a saúde.

No programa, ela entrevista um outro ator que se apresenta como um renomado médico endocrinologista, explica sobre a tal “bactéria noturna” e, claro, apresenta um remédio para combatê-la, afirmando, inclusive, que ele é aprovado pela Anvisa, o que depois foi desmentido pelo órgão. No site da empresa que comercializa o remédio, o ator aparece com um registro médico verdadeiro, pertencente a outra pessoa, que inclusive prestou queixa ao saber do uso indevido.

A saúde caiu na rede

Esses casos mostraram que a ‘tiktokização mundial’ se espalhou por todas as áreas, inclusive na medicina, campo que costumava ser protegido por regulamentações rigorosas e ética profissional. Agora, ele segue infiltrado por interesses econômicos cada vez mais escancarados. Médico sanitarista e ex-fundador da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto enxerga essas entrevistas fakes como mais um dos movimentos na internet guiados por esses interesses, e não vê boas previsões.

“Enquanto isso persistir, o problema tende a crescer, pois os interesses econômicos se sobrepõem a qualquer outra coisa. A única solução que vejo é a proteção legal. Se essas empresas que promovem esse tipo de propaganda não forem punidas, não vejo outra alternativa”, disse Gonzalo, cobrando também que as próprias plataformas digitais tenham algum filtro para controlar essas publicidades.

O cardiologista Eduardo Novais também não acredita que esse movimento nas redes deve parar por aqui, mas para o grande vilão não é a internet, mas sim a qualidade das informações e o desgaste da ética profissional. “É preciso entender que estamos passando por um momento de crise na ética, não apenas na ética médica. O código em si é bem estruturado, o que nos falta é ética comportamental humana, principalmente neste novo modelo de ciberização, onde as pessoas se passam por quem não são, fornecem informações sem base científica e criam esse mundo virtual”, destacou o cardiologista.