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Com direito a greve, fiscalização e opiniões divididas, tentativa de organizar faixa de areia no Porto da Barra acaba em polêmica
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Com direito a greve, fiscalização e opiniões divididas, tentativa de organizar faixa de areia no Porto da Barra acaba em polêmica
A prefeitura determinou que cada permissionário que atua na área só poderá distribuir até 30 cadeiras na areia, o que gerou indignação dos barraqueiros
Foto: Metropress/Danilo Puridade
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 30 de janeiro de 2025
Para quem não acreditava, o Porto da Barra tem sim areia, e muita. Ela ficava coberta por uma camada espessa e sem fim de sombreiros, cadeiras e mesas, mas sempre esteve ali. E agora, nesta semana, após o vídeo de um turista de Brasília viralizar e exigir mudanças repentinas na disposição dos barraqueiros da área, a surpresa: habemus areia e habemus uma praia gratuita.
De braços cruzados para o verão
O visual da praia mais fotografada da capital baiana chocou na manhã da última terça-feira (28) e também no início da quarta (29). Areia à mostra. Nenhum sombreiro. Pouquíssimas cadeiras abertas naquele solzão de verão. O motivo? Uma greve dos próprios barraqueiros que trabalham naqueles 600 metros de faixa de areia. Greve de empreendedores já é de chocar, ainda mais de empreendedores da praia em pleno verão. Mas a indignação com as novas determinações da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) foi tamanha, que eles cruzaram os braços diante dos banhistas.
Nos cartazes e gritos de guerra dos barraqueiros, a principal reclamação: “não vai dá para fechar as contas”. Isso porque, na semana passada, a Semop se reuniu com os 30 permissionários que atuam na área para ordenar a ocupação da faixa de areia. Foi determinado que cada barraqueiro poderá distribuir apenas 10 kits (cada um com um sombreiro, uma mesa e três cadeiras) e apenas após as 9h, e ainda que o equipamento deve ficar desmontado e recuado até o uso do cliente. Os barraqueiros, no entanto, alegam que a quantidade não será suficiente para pagar os custos com carregador e depósito para o material e nem atender a demanda da alta temporada. E põe alta nisso, afinal a expectativa para esse verão é de recordes no turismo.
Foto: metropress
Quando a greve dá tão certo que pedem mais
O tiro pode ter saído pela culatra, porque a verdade é que a praia ficou muito mais convidativa sem aquele tapete de sombreiros. E, nas redes sociais, não faltou quem apoiasse o fim das cadeiras e torcesse para que a greve durasse um pouquinho mais. Até o cantor Caetano Veloso foi flagrado aproveitando a areia à mostra.
Após o viral praiano
Nos últimos dias, as praias já tinham ganhado destaque com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, de bermuda e boné, na areia, conversando amigavelmente com banhistas que levavam caixa de som, o que é proibido na cidade. Mas, em Salvador, começou de forma despretensiosa.
A sequência dos fatos é típica da época dos virais. Começa com um turista de Brasília, armado com um celular na mão, o sonho de conhecer uma das praias mais famosas do Brasil e a frustração de sequer encontrar um espaço para estender sua humilde canga. “Você é obrigado a pagar para sentar na cadeira, porque não tem mais espaço. Está praticamente privatizado”, dizia o turista.
O vídeo, claro, viralizou. Um ou outro debochava do turista, sugerindo que ele fosse procurar praias em Brasília, mas a maioria reiterava as críticas dele. E não só reiterava, como também lembrava que essa já era uma reclamação antiga dos soteropolitanos. Fora a consumação, a média de preço dos kits na região é R$ 40, valor que, convenhamos, nem toda família consegue arcar. Agora, há ainda o receio de que, para compensar a redução da quantidade de areia, o valor aumente. A Semop e nenhum outro órgão se envolve no preço cobrado. Com quase toda a extensão da areia tomada pelas cadeiras, a sensação, muito antes da chegada do turista brasiliense, já era de privatização da praia, que deveria ser o lazer mais democrático da cidade.
Foto: metropress
Nem o sol está de graça
Uma privatização diferente, é verdade. Desta vez, não é por grandes grupos ou pela elite, mas não deixa de ser. A questão aqui, é que os envolvidos precisam da atenção, apoio e planejamento dos poderes públicos para manter sua renda. E o Porto, um dos patrimônios da cidade, precisa ser preservado. Uma balança difícil de equilibrar, mas que é dever da administração pública. “Trabalho aqui há 19 anos, criei meus filhos aqui. O custo é grande, para locar, para trazer material para praia, para guardar depois”, contou a garçonete Terezinha em entrevista ao Repórter Metropole. “Trinta cadeiras é muito pouco. Tem uma família que chega do Rio Grande do Sul com mais de 30 pessoas. Aí uma metade senta e a outra não?”, acrescentou.
Problema para depois do Carnaval
No final de semana seguinte à reunião entre a Semop e os barraqueiros, a pasta deslocou cinco equipes extras para garantir o cumprimento das normas de ocupação na faixa de areia do Porto da Barra. Alguns dos permissionários chegaram a ser notificados. O que a secretaria alega é que as normas sempre existiram e foram agora reforçadas. Fica implícito, contudo, que o que não havia era uma fiscalização ou, ao menos, essa limitação do espaço.
Apesar do barulho nos últimos dias, a Semop informou que só deve se reunir novamente com os permissionários após o Carnaval, para reavaliar as medidas implementadas e discutir possíveis ajustes. Até lá, o pico da alta temporada para os barraqueiros já foi embora.
Uma onda de saudosismo
Quem vê hoje o Porto da Barra disputado por banhistas e barraqueiros não imagina que aqueles 600 metros de faixa de areia já foram mal vistos pela classe média da cidade e também não deve cogitar que antes as pessoas frequentavam a área para se debruçar sobre as balaustradas e apreciar a vista.
A região nem sempre foi disputada assim. Até porque foi só a partir de 1850 que as áreas ao sul da Baía de Todos-os-Santos, como Barra e Vitória, começaram a se modernizar, com a criação de estradas e investimentos privados. Antes disso, a própria Barra era uma área rural. Ainda assim, como explica o historiador Vinicius Jacob, a segregação social afastava a população da região. Só na década de 1980, durante a gestão de Mário Kertész, que acesso das classes populares às praias da orla foi ampliado com a criação de linhas de ônibus. Se hoje ela é frequentada por gente de todos os tipos, de desconhecidos a famosos, foi preciso que muito chão fosse percorrido.
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