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Uma queda sem justificativa
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Uma guerra de torcidas, cenas de violência em massa, dezenas de feridos, gente hospitalizada, uma pessoa estuprada no meio da rua diante da multidão e, mesmo assim, o jogo aconteceu
Foto: Reprodução
Em um tempo em que meio mundo reclama de solidão, em que homens e mulheres parecem ter entrado num estado permanente de guerra fria antirrelacionamentos e milhões passam o dia escolhendo em aplicativos corpos para consumo sexual, o número de estupros registrados diariamente nas delegacias é um atestado concreto do quanto jamais seremos civilizados. Com tanta gente se queixando da falta de parceiros, por que se estupra tanto? E embora as referências aqui sejam brasileiras, esse é um fenômeno trágico registrado no mundo inteiro.
No estado de São Paulo, o mais rico e desenvolvido do país, foram registrados 14.579 estupros somente entre janeiro e dezembro do ano passado. Em 2023 foram 14.514 e todo mundo sabe que são números referentes só aos casos que resultam em um boletim de ocorrência. Em um texto desta semana, a psicanalista Vera Iaconelli chamou atenção para um aspecto ainda mais perturbador. Os estupradores, majoritariamente, não são homens com patologias mentais. São homens comuns. Pessoas inimputáveis que cometem esse crime.
Assombro descartável
Também nos últimos dias uma notícia referente a estupro tornou a palavra e o ato mais bárbaros do que já são. Em um confronto de homens animalizados das torcidas organizadas do Sport e do Santa Cruz, em Recife, um homem com a camisa do Santa Cruz e com uma barra de ferro atacou um torcedor do time rival, o despiu e o estuprou no meio da rua, rodeado por vários companheiros, que nada fizeram. As imagens foram registradas por celulares e câmeras de rua e circularam fartamente nas redes, ora borradas, ora explícitas.
Uma guerra de torcidas, cenas de violência em massa, dezenas de feridos, gente hospitalizada, uma pessoa estuprada no meio da rua diante da multidão e, mesmo assim, o jogo aconteceu. O assombro é uma reação fugaz, e em uma semana ninguém lembra, ninguém se importa e não há tecnicalidade possível no campo da saúde mental que torne normal a vida de quem foi objeto público de uma cena de violência sexual dessa natureza, com frames do registro disponíveis a um clique. Um dia após o outro, e o assombro descartável já mudou de lugar. O dono do mundo anunciou em seus tons laranja que vai tomar posse da Faixa de Gaza. E há quem diga que, retirando-se de lá o que sobrou da vida palestina na região, o lugar pode se transformar numa fileira de resorts paradisíacos para americanos passarem as férias.
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