Claudia Leitte e o bolinho de Jesus
O nome do gênero é axé e todo mundo, seja estrela, famoso ou nem tanto que se criou artisticamente, e não tem o direito de ignorar
Foto: Reprodução
Vamos lá: o gênero musical baiano que se consagrou no Brasil como ‘axé music’ está no meio de uma comemoração e não é para celebrar qualquer data. São os 40 anos do movimento. Um gênero que fez a festa econômica de gravadoras, que proporcionou carreiras artísticas e mantém no estrelato nomes que são a trilha sonora dos carnavais e das festas de boa parte dos brasileiros. Tudo isso sem os elementos tambores, batuques, que sabemos de onde vêm, apenas para citar um aspecto, não produz sequer sentido.
O nome do gênero é axé e todo mundo, seja estrela, famoso ou nem tanto que se criou artisticamente, não tem o direito de ignorar de onde vem o termo e menos ainda os elementos da percussão que deram e dão o DNA do qual ela é feita. Esperar que a população negra baiana, as pessoas de religiões de matrizes africanas e as autoridades que gerem as políticas publicas culturais da cidade e do estado ignorem quando, num verso de uma canção, em apresentações públicas ou gravadas, Iemanjá se torne Yeshua, é descolamento da realidade.
Estrela de Davi na favela
O barulho que se ouviu, nesta semana, em torno da nomeação como racismo religioso da substituição de palavras em versos da axé music não pode ser reduzido a Claudia Leitte versus Pedro Tourinho, o secretário de Cultura de Salvador. É um diagnóstico de processos de intolerância religiosa muito mais amplos. O problema aqui é o exercício de estratégias para retirar de práticas culturais os elementos mais nucleares que lhes deram origem. Que sentido faz em ver uma mulher na rua diante de um tabuleiro se recusando a ser chamada de ‘baiana’ e rebatizando o acarajé e o abará que vendem como ‘bolinho de Jesus’, por rejeição ao candomblé?
Recusar-se a cantar a palavra Iemanjá substituindo-a por qualquer outro termo que seja, por considerar a homenagem à entidade um ato condenável, está no mesmo pote perigoso de intolerância que impõe a renomeação do acarajé, do terror imposto por traficantes no Rio de Janeiro que impõem uma Estrela de Davi em um conjunto de favelas no Rio de Janeiro, batizado por imposição religiosa armada de Complexo de Israel, e da ameaça aos terreiros por quem os considera territórios de pecado.
📲 Clique aqui para fazer parte do novo canal da Metropole no WhatsApp.