Gisele e os sommeliers da gravidez alheia

A indigência cognitiva e o desejo de pegar carona em emoções alheias para estragá-las levam as pessoas a dizerem as coisas mais absurdas sobre o que é sagrado para quem está vivendo alguns dos momentos mais importantes da vida. Recentemente, a cantora Iza postou uma fotografia terna da mão da sua primeira filha, que acabara de nascer. A imagem irretocável da mão de uma recém-nascida. Como reação, uma torrente de raiva, ódio, esgoto moral embalado em descontentamento alheio com a cor da pele da menina. 

As ferramentas de busca e os prints estão aí para exibir o registro do chorume digital contra a mãe e a bebê. Sob o pretexto de atacar Iza por conta de escândalos digitais protagonizados pelo pai da menina, com quem ela se reconciliou, o efeito manada do policiamento racial criticava a cor da criança, como se a melanina a menos fosse um estigma herdado da opção equivocada da mãe. Como nas redes quase tudo acaba em um dia, e talvez daí a pressa de quem ofende, a campanha de ódio contra Iza saiu de cartaz. Que venha agora a modelo mais famosa do país, em todos os tempos: Gisele Bündchen. 

Mae de dois filhos e divorciada de Tom Brady desde 2022, Gisele está grávida do namorado, o brasileiro Joaquim Valente, instrutor de jiu-jítsu e dono de um clube de tiro na Flórida. A condição de dono de clube de tiro foi a munição mais usada pelo mesmo tipo de gente que ofendeu Iza e sua filha, agora  para abrir as portas de ataques a Gisele. Como nas legendas de fotos sobre a gravidez vêm referências ao pai do bebê como aulas de tiro, armas, CACs e até relações com os filhos de Bolsonaro, em eventos de tiro, na Florida e no Brasil, o teor dos ataques é imaginável. 

Gisele está sendo acusada, em outras palavras, de ter engravidado do homem errado, chamado de bolsonarista e dos outros istas, todos aqueles que sempre vêm junto nessa ladeira escorregadia de linchamento moral e ataques à reputação quando se trata de ataques ideologizados. O tom dos ataques é ideológico e aponta para o que se considera uma hipocrisia da modelo. As equações são estranhas e ligam pontos que parecem ir das vozes do monossílabo à crise climática. ‘Como assim, uma brasileira ativista do meio ambiente engravida de um dono de clube de tiro bozista?’.