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Hot dog, churrasco, pastel e crepe: tinha de tudo menos comida junina no São João

Hot dog, churrasco, pastel e crepe: tinha de tudo menos comida junina no São João

Não sou purista de nada. Nem de cachaça pura eu gosto. Mas, repito, não dá pra sair atropelando e adulterando tradições assim

Hot dog, churrasco, pastel e crepe: tinha de tudo menos comida junina no São João

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 27 de junho de 2024 às 00:12

Todo ano é a mesma coisa, já tá virando até tradição. Pouco antes, durante e depois do São João a gente se pega a discutir e apontar indícios de descaracterização da festa e apontar com todas as letras que ela corre o risco de se acabar. A dinâmica já provocou até dupla falta de sororidade, quando Marília Mendonça provocou Elba Ramalho após a paraibana reclamar da invasão dos sertanejos e quando Astrid Fontenelle e Gabriela Prioli quebraram o pau ao vivo, uma defendendo a tradição e a outra a mobilidade das tradições. Enfim, será que o São João vai mesmo se acabar ou está apenas começando?

Para mim, há algumas coisas mais ou menos claras: do modo como a festa se firmou no Brasil, especialmente no nordeste brasileiro, São João tem determinados contornos, características, que a distinguem de outras celebrações. Trata-se de um evento com música própria (forró, baião, xote, xaxado etc), ambientação própria (balões, bandeirolas, fogueiras…) e comida própria (bolos, pipoca, amendoim, canjica, quentão, licor etc) — sem falar no figurino, invenção mais recente, baseada no visual caipira, com tecidos quadriculados, calças remendadas, chapéus de palha e tal.

Claro que tradições são móveis e mutáveis. A própria comemoração em honra de João Batista é uma adaptação católica de festejos pagãos ao solstício de verão. E que, aqui, esse catolicismo ainda recebe contribuições de elementos dos mundos afro e indígena. Mas, também é claro que há coisas em uma tradição que é melhor preservar tal e qual (a data, por exemplo, vem desde o período neolítico, quando nem calendário havia) e outras que, se for para trocar, que seja com sabedoria e por algo melhor.

Estou falando isso tudo para reclamar que nos eventos juninos da capital a que fui, no Santo Antônio e no Pelourinho, simplesmente não havia comida junina. As barraquinhas vendiam churrasco, hot dog, crepe, trufa, pastel, empada, kibe e até sanduíche grego. Nem sinal de derivados do milho. Até mesmo os carrinhos de mingau que normalmente fazem parte do centro histórico, sumiram. Amendoim cozido? É lenda! Em se tratando de festas organizadas pelas gestões públicas oficiais (governo e prefeitura), com vendedores licenciados, achei absurdo.

Não sou purista de nada. Nem de cachaça pura eu gosto. Mas, repito, não dá pra sair atropelando e adulterando tradições assim, por mero desleixo ou praticidade. Festas são, por definição, o oposto disso. Fazer uma festa é se dedicar, se esmerar em uma coisa aparentemente inútil, dispensável, mas que reconhecemos fundamental. E cada festa tem sua alma, tem suas coisas. Senão, daqui uns dias vamos começar a cantar a marcha fúnebre em vez de parabéns pra você nos aniversários e dizer que tanto faz.

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