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Sábado, 27 de julho de 2024

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A rachadinha e o silêncio da imprensa, da polícia e do Judiciário

A rachadinha e o silêncio da imprensa, da polícia e do Judiciário

O problema neste caso da rachadinha é que é atribuível, legalmente, ao Ministério Público, à polícia e ao Judiciário do Rio de Janeiro

A rachadinha e o silêncio da imprensa, da polícia e do Judiciário

Foto: Reprodução

Por: Janio de Freitas no dia 30 de novembro de 2023 às 00:00

Na semana passada, áudios enviados pelo ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz ao empresário Alexandre Santini relembraram acusações e suspeitas que pairam sobre a família Bolsonaro. Queiroz é acusado de operar um esquema de rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro (PL), enquanto Santini era sócio do senador em uma franquia de chocolate, que acabou fechada após o Ministério Público apontar que o local era usado para lavar dinheiro das rachadinhas.

Há um problema seríssimo nesse caso. É que esse tema é atribuível, legalmente, ao Ministério Público, à polícia e ao Judiciário do Rio de Janeiro, que são exibidores de condutas absolutamente espantosas neste caso. Basta dizer que com todas aquelas evidências da rachadinha, por exemplo, para pegar o lado mais simples e até anedótico desse caso, até hoje, o Ministério Público roda em torno das moedas que saíram pra lá e pra cá e não chega a coisa nenhuma.

O Judiciário, que participa como acompanhante, condutor, orientador ou lá o que seja desse inquérito, até hoje não teve uma palavra respeitável para dizer à população, não só do Rio, mas do Brasil mesmo, sobre a ineficácia das “investigações”, entre aspas, praticadas por polícia e ministério público nesse caso. E, se a polícia, por um lado, não surpreende, o Ministério Público, por outro, tem deixado correr essa inércia, essa insuficiência, essa incapacidade técnica e moral de levar esse caso adiante, tem deixado isso correr como se fosse uma coisa perfeitamente natural. Como se fosse um menino acusando o outro, e fica por isso mesmo.

Os jornais acompanham durante uns poucos dias e logo silenciam, esquecidos no caso ou entediados do caso. E, lamentavelmente, esse é um ponto focal para se entender como o Ministério Público, polícia e Judiciário no Rio de Janeiro se enrolam em praticamente todos ou quase todos os processos criminais mais sensíveis politicamente e para o crime. É um tal de encontrar saídas, fugas, justificativas, jurisprudências. Todos os pretextos são válidos para deixar as coisas correrem sem se dizer nada.

A morte de Adriano da Nóbrega, na Bahia, é parte desse caso todo. Envolve essas pessoas todas que foram citadas e mais algumas. E, ou foram citadas como amigos, ou apenas mencionadas de raspão ou não mencionadas, mas são essenciais para se apurar o que é a verdade na criminalidade brasileira, que invadiu a Amazônia, tomou o Ceará, está no Rio Grande, domina a área paulista.

Essa pequena loja de um pequeno chocolate é um veneno nesse processo, porque a partir dali, do envolvimento de sua criação e de sua propriedade, se desenlaçam histórias incríveis de que a população pode ter alguma intuição, mas conhecimento não chega a ter, porque os três setores dos quais se esperariam as informações - polícia Ministério Público e Judiciário - são exatamente aqueles que impedem que se chegue a um conhecimento mais preciso, mais objetivo, mais corajoso e menos envolvido em dinheiro.

Já essa coisa da desmemória da imprensa tem duas etapas: a primeira era até ali o golpe de 1964, quando havia alguma jogada do dono do jornal. Mas não era uma prática pela qual os próprios jornalistas deviam responder também. É a partir de 64 ou um pouco antes, quando começa uma participação da chamada grande imprensa para o golpe da direita. Era uma contribuição sutil, mas muito eficiente. Então certos assuntos não era conveniente dar maior prosseguimento. Era preferível explorar outras coisas. Isso se torna uma necessidade mais do que uma jogada política a partir de 1964, quando todas as barbaridades cometidas - como torturas, morte, corrupção - a imprensa cuidou sempre de, se noticiado, não fazer e não deixar que se transformasse em um processo, em uma investigação ou um caso de consequências. E daí, isso se tornou um hábito um componente da maneira de fazer jornalismo. O “deixa para lá”, o “já dei a notícia amanhã, não vou mexer com isso”.

Vem a democracia e não consegue absolutamente mudar isso, porque o jornalismo não sofreu uma deterioração durante a ditadura menor do que a deterioração política. Foi, no mínimo, equivalente e eu até suspeito que, sob alguns aspectos, foi pior do que a degradação política dada a responsabilidade da imprensa de informar uma população carente de informação e dependente de informação para praticar o seu direito de voto. Hoje em dia, se mantém uma uma providência que foi tomada em 1964 ou 1965, que foi a de cercear certas temáticas, de onde vinham alguns problemas criados por opositores, que diziam coisas muito sérias, muito verdadeiras e muito inconvenientes para a ditadura.

* A análise foi feita pelo jornalista no programa Três Pontos, da Rádio Metropole, transmitido ao meio-dia às sextas-feiras