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Leilão anulado pela prefeitura reacende discussão sobre transparência em venda de áreas verdes
O que circula nos bastidores é que o leilão foi anulado porque quem arrematou o terreno não deveria ter conquistado o feito, pelo menos segundo os interesses extraoficiais
Foto: Metropress/Danilo Puridade
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 20 de março de 2025
Tem episódio que até mesmo o ex-governador Otávio Mangabeira ficaria espantado. E olhe que é ele o dono da célebre frase “pense num absurdo… na Bahia tem precedente”. A venda de uma encosta do Morro Ipiranga, na orla da Barra, é um desses capítulos da política baiana. Já começou cercada de polêmica por se tratar do leilão de uma área verde que foi “classificada” pelo prefeito Bruno Reis como inútil para a cidade. Agora, o caso parece ainda estar longe do fim, mas vem causando ainda mais arrepios não só nos otimistas, mas até nos pessimistas seguidores da frase de Mangabeira.
O motivo do arrepio: sem qualquer justificativa pública que faça sentido, a Prefeitura de Salvador anulou o leilão do terreno, que - segundo ela - havia sido arrematado por R$ 16 milhões. Logo em seguida, abriu um novo certame, marcado para 15 de abril. Algo, com o perdão da licença à frase de Mangabeira, sem precedentes, porque, no geral, os leilões são anulados pela Justiça, como aconteceu com a venda de uma área verde no Corredor da Vitória, no ano passado.
Leilão com destino certo
Só a anulação não é motivo suficiente para um arrepio nesta Bahia já tão cheia de precedentes. Mas o motivo por trás, sim. O que circula nos bastidores é que o leilão foi anulado porque quem arrematou o terreno não deveria ter conquistado o feito, pelo menos segundo os interesses extraoficiais. Informações obtidas pelo Metro1 apontam que a área já teria sido, por baixo dos panos, destinada a um grupo específico representado pela empresa Pharos 71 Empreendimento Imobiliário, ligada a uma holding que tem como sócios a Cosbat, o Banco Master e outro empresário. Eles, inclusive, já haviam adquirido um terreno vizinho, também no Morro Ipiranga.
Um estranho no paraíso
O resultado do leilão já tinha um destino certo, que acabou não acontecendo. Quem arrematou foi a Epic Serviços e Locações, uma estranha no paraíso já calculado. Os relatos dão conta de que durante o leilão, realizado de forma virtual com participações de todo o Brasil, o sistema teria saído do ar por cerca de dois minutos, quando retornou já informava a Epic como vencedora, com o lance de R$ 16,85 milhões.
Fuga nas respostas
No último dia 18 de fevereiro, o Metro1 chegou a noticiar que 4 dos 30 terrenos colocados à venda no leilão teriam sido arrematados, entre eles, o da encosta da Barra, que estava entre os oito mais valiosos, com lance mínimo de R$ 4,94 milhões. Desde então, a reportagem e entidades como associações de moradores da região buscam informações sobre o comprador, mas sem sucesso, apenas com a promessa de que seria publicado no Diário Oficial do Município. A publicação, no entanto, só veio com o anúncio de anulação do leilão.
Secretária aperta o prazo
Antes do leilão ser anulado, a Epic chegou a pagar um sinal de R$ 1,685 milhão - 10% do valor total. O Jornal Metropole teve acesso ao Documento de Arrecadação Municipal (DAM), emitido pela Secretaria Municipal da Fazenda, comandada por Giovanna Victer. Com data de emissão em uma sexta-feira (14 de fevereiro), o documento trazia como vencimento a segunda-feira seguinte (17 de fevereiro), um prazo apertado, que levanta suspeitas de uma manobra da secretária para dificultar a captação dos recursos e levar à desclassificação do vencedor. Com o pagamento, ainda assim, foi feito, recorreu- -se à anulação do certame.
"Gente querendo pagar mais"
O prefeito Bruno Reis tem justificado a decisão de anular alegando que houve uma sobrecarga na rede durante os minutos finais do certame e, por isso, os outros licitantes não teriam conseguido enviar seus lances. “E diversos licitantes não conseguiram dar o último lance e entraram com recursos, com denúncia. Tem gente querendo pagar, sabe lá Deus quem é, mais. São licitantes, concorrentes, que querem inclusive pagar um valor maior do que o que teria sido arrematado. A prefeitura anulou porque essas pessoas tiveram o seu direito de disputar cerceado”, afirmou.
Comemora o prefeito
A controversa declaração de que há licitantes querendo pagar mais pelo terreno vai ao encontro da busca desenfreada por IPTUs. O próprio prefeito, dias após o leilão hoje anulado, comemorou a venda por R$ 16 milhões e chegou a afirmar que a área “não servia para nada, não gerava um real para a prefeitura de Salvador”. Na mesma declaração, ele citou, em cálculos questionáveis, que a venda poderia render em um ano R$ 50 milhões à gestão municipal, com impostos como IPTU e ITIV.
Menos verde, mais IPTU
No mesmo episódio, o prefeito revelou que a encosta serviria para a instalação de um empreendimento imobiliário - polêmica já suficiente para mobilizar moradores e ambientalistas, que enxergam a área como um elemento fundamental para a qualidade ambiental e a identidade urbanística da região.
Em entrevista ao Metro1, Tiago Brasileiro, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) na Bahia, chegou a apontar os impactos de um empreendimento imobiliário naquele terreno: problemas para a mobilidade na região, alagamentos e outras questões de drenagem da água da chuva, ampliação da temperatura local e redução da ventilação com os prédios erguidos. Para ele, “certamente os prejuízos e custos gerados pela perda dessa importante área verde da cidade serão imensamente maiores que as receitas geradas por um possível empreendimento imobiliário”.
Silêncio do MP-BA
Apesar do fervor em torno do assunto, a expectativa é que, no final das contas, a briga fique mesmo sobre o nome do dono e não o futuro da encosta. Até porque o silêncio continua pairando também sobre aqueles que poderiam defender a área. A reportagem entrou em contato, por exemplo, com o Ministério Público da Bahia para questionar o acompanhamento do caso ou alguma possível medida, mas não obteve retorno.
Oposição calada
Na oposição na Câmara dos Vereadores, o cenário não é muito diferente. Poucos nomes vêm se mobilizando, é o caso da vereadora Aladilce Souza (PCdoB), que relatou dificuldades ao buscar mais informações sobre a recente decisão da prefeitura. Para o restante, de perder mais uma área verde em um processo sem transparência parece ser algo negociável.
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