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Símbolo da importância da Praça Municipal para a cidade, Palácio Thomé de Souza enfrenta espécie de déjà-vu

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Símbolo da importância da Praça Municipal para a cidade, Palácio Thomé de Souza enfrenta espécie de déjà-vu

Prédio espelhado onde atualmente funciona uma agência bancária

Símbolo da importância da Praça Municipal para a cidade, Palácio Thomé de Souza enfrenta espécie de déjà-vu

Foto: Metropress/Samanta Leite

Por: Laisa Gama e Mariana Bamberg no dia 06 de fevereiro de 2025 às 10:35

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 06 de fevereiro de 2025

No coração da cidade, na primeira Praça dos Três Poderes do Brasil, a poucos passos da Câmara dos Vereadores, onde sempre deveria estar, a prefeitura de Salvador é objeto, há mais de duas décadas, de uma disputa judicial entre o Executivo e o Ministério Público Federal. Prestes a viver uma espécie de déjà vu, a sede da gestão municipal pode novamente ser violentada e enxotada de seu lugar por direito. 

Em um processo de 2004, o MPF exige que a sede seja demolida, alegando desrespeito às normas de preservação e “empobrecimento” da paisagem histórica. Depois de anos de empurra-empurra nos tribunais, recursos e até uma ação rescisória da prefeitura, as partes parecem estar prestes a selar, no próximo dia 26 de fevereiro, um acordo, cujos termos ainda não foram divulgados.

Já ventilou-se a possibilidade de que a sede seja transferida para o Palácio da Sé, de responsabilidade da Arquidiocese de São Salvador. Mas a gestão municipal trabalha também com a opção de desmontar o Palácio e levá-lo para outro local. Qualquer uma das opções retiraria a prefeitura da primeira Praça dos Três Poderes. Essa, no entanto, não seria a primeira vez.

Deu chabu

1972. É aqui que nas más línguas a história é desviada. Antes mesmo do Palácio Thomé de Souza pensar em existir, mais especificamente 14 anos antes, o espaço onde ele está hoje já havia sido aberto, a troco da demolição de prédios históricos: a Biblioteca Pública, obra de 1919, e o edifício da Imprensa Oficial, dos anos 1930.

A implosão teve direito à plateia, equipe de reportagem e toda pompa de um evento oficial. O governador Antonio Carlos Magalhães e o prefeito Clériston Andrade eles foram os responsáveis por apertar o botão que colocaria abaixo os prédios. O vexame, no entanto, foi tão forte quanto as estruturas que, ao primeiro acionamento dos explosivos, continuaram de pé, para a ira de ACM.

Foto: Implosão da Biblioteca Pública e Imprensa Oficial, com ACM e Clériston Andrade acionando os explosivos (Acervo/TVE)

Da Babilônia a Sucupira

No final das contas, os prédios foram abaixo. Para aquele espaço de destaque da praça, foi anunciado uma proposta ambiciosa, com inspirações à lá Nabucodonosor: um jardim suspenso como o da Babilônia, com um estacionamento de brinde.

O jardim, encomendado ao arquiteto Valdomiro Cunha, nunca funcionou ou, ao menos, nunca caiu no gosto da população. E os soteropolitanos, sacanas de corpo e alma, logo apelidaram o tal jardim como Cemitério de Sucupira. O apelido fazia referência à novela Bem-Amado, que trazia a história de um prefeito que queria inaugurar um cemitério, mas ninguém morria na cidade.

Foto: Estacionamento e o conhecido Jardim de Sucupira, na Praça Municipal (Acervo)

Enxotada do coração

O próximo capítulo da história pula para 1979. ACM governador e Mário Kertész prefeito biônico. Até então, o gabinete do prefeito funcionava em um espaço apertado na Câmara Municipal, mas foi transferido, a pedido de MK, para o Palácio Rio Branco, desocupado desde que a sede do governo foi levada para o Centro Administrativo. Dois anos depois, em 1981, a prefeitura faz novamente suas malas, desta vez, despejada. ACM enxotou a sede para o Solar Boa Vista, no Engenho Velho de Brotas, , sob a justificativa de que “não queria prefeito com vontade de ser governador”. Isso era um recado a Mário Kertész, que estava à frente das pesquisas para o governo em 1982, contra o candidato de ACM, Clériston Andrade.

De volta ao coração 

É somente por meio do Palácio Thomé de Souza que a prefeitura põe fim ao seu exílio no Engenho Velho de Brotas e retorna à Praça Municipal, em 1986. É o prédio de metal e vidro que finca no centro da cidade a valorização daquela área e a resistência à vaidade dos cargos de poder. Já era uma promessa de campanha do então prefeito Mário Kertész: assim que assumisse a prefeitura, levaria a sede de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído. A missão foi dada ao renomado arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, que projetou e ergueu o palácio em apenas 14 dias.

Responsável por projetos como o Centro Administrativo da Bahia, as tradicionais passarelas de Salvador e o Hospital Sarah, Lelé é um dos arquitetos brasileiros mais reverenciados. Suas obras uniam técnicas inovadoras e apuro estético. Não foi diferente com o Palácio. Trouxe o que tinha de melhor para a técnica da época, em uma estética neutra, para harmonizar e deixar sobressair a paisagem e o valor histórico dos prédios vizinhos.

Nada de original

O MPF, no entanto, parece não ver mérito na volta da prefeitura à Praça Municipal. Os procuradores argumentam que a construção - vale repetir, de um dos arquitetos mais reverenciados do Brasil - não passou por um estudo arquitetônico rigoroso e destoa dos edifícios históricos ao redor.

A prefeitura, em sua defesa, cita exemplos internacionais em que o histórico convive harmonicamente com o contemporâneo. É o caso da pirâmide em vidro e metal do Louvre e da própria Torre Eiffel, que, assim como o Palácio Thomé de Souza, foi construída inicialmente em caráter provisório, mas acabou tendo a permanência justificada pela importância histórica e cultural.

A cobrança por uma estética histórica parece desconsiderar que história também se constrói, e que o retorno da prefeitura à Praça Municipal, por meio do Palácio Thomé de Souza, já faz parte da história da capital. Desconsidera ainda que de realmente histórico há, desde a fundação do prédio de Lelé, muito pouco nas redondezas. O próprio Elevador Lacerda tem muito pouco da arquitetura original. Ou ainda o Palácio Rio Branco, que hoje é uma espécie de bolo de noiva diante de tantos restauros e mudanças. Mas talvez o exemplo que mais se destaque seja o vizinho mais próximo, separado apenas pela Rua da Misericórdia. O edifício onde hoje funciona uma agência do Bradesco, com suas velhas janelas espelhadas e agora ainda com um letreiro vermelho gritante do banco.

Foto: Prédio espelhado vizinho à sede da prefeitura, onde funciona uma agência bancária (metropress/Samanta Leite)