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Com o mesmo roteiro, festas de final de ano aparecem como fuga da realidade, escondendo desigualdades e consumismo
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Com o mesmo roteiro, festas de final de ano aparecem como fuga da realidade, escondendo desigualdades e consumismo
Enquanto uns apostam em simpatias, fazem promessas que nunca serão cumpridas e aceleram os castos em nome das comemorações, outros não têm o direito de usar o final de ano como escape da realidade
Foto: Agência Brasil/Marcello Casal
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 27 de dezembro de 2024
Uma música aparentemente infantil e inocente expõe, ao menos aos mais atentos, a realidade das festas de final de ano, quase como um tapa na cara. É só dezembro mostrar o pezinho no calendário e surge a mesma coreografia ensaiada de sempre, ao som de músicas natalinas ou qualquer outra cantada por Simone: rodovias congestionadas, uma promessa de explosão no comércio local, lojas abarrotadas de pessoas sedentas por presentes, fora as propagandas sem fim de famílias margarinas espalhadas por todos os canais. É só aumentar o som e a velocidade dos dias, que tudo vira sinônimo de promessas e felicidade (como se ela fosse uma brincadeira de papel).
Simpatia a rodo
Tudo parece ficar mais fácil. Basta comer 12 uvas e deixar as sementes na carteira que a prosperidade vem. É a vingança das uvas com caroço sobre as queridinhas sem caroço. Mas não custa reforçar comendo mais um punhado de lentilhas sem deixar os pés no chão. Para arranjar um amor, facinho: só escrever sete vezes o nome da pessoa amada na sola do seu sapato esquerdo. Para ter filhos? Tem também. Saúde? É pra já. Um emprego? Nada de Simm ou Sine Bahia, é só acreditar na mãe simpatia.
Tudo tão fácil, harmônico, a começar pela cor do esmalte, da roupa e até da calcinha ou da cueca. Teve ano até que se espalhou o “segredo” de que não usar a roupa íntima na virada era o motivo do sucesso da cantora Anitta. E lá se foram milhares de simpatizantes brasileiros com suas partes desprotegidas - tudo pela esperança do sucesso.
Mas calma, de nada adianta não usar calcinha/cueca e comer na ceia um bicho que cisca. Não vale reaproveitar as aves do Natal. Nem as roupas de outro ano. E muito menos a coitada da vassoura velha de casa, nunca fez mal a ninguém, mas agora as simpatias de final de ano impuseram sobre ela uma data de validade. É preciso ir novamente ao supermercado, às lojas e iniciar mais um ciclo de consumismo. E reiniciar também as promessas e metas. Aquelas que não foram cumpridas no ano passado, mas neste ano vão ser diferentes. Emagrecer 15 kg, cuidar da saúde, fazer atividade física, largar aquele relacionamento já fracassado, mudar de emprego, dizer mais não. Tudo igual, só dá uma adaptada aos termos da moda, renova a confiança e finge que dá para começar o projeto verão no próprio verão.
Foto: Agência Brasil/Paulo Pinto
Replay nas coberturas
A imprensa também segue bem alinhada à coreografia e a essas narrativas que alimentam um espírito consumista. Cena padrão a da repórter com o microfone na mão questionando para quem o entrevistado vai comprar presente, até quanto ele pretende gastar. Se der sorte e o espírito natalino agir sobre ela, pode sair com um meme nas costas e viralizar nas redes. Caso não, seguirá apenas com matérias sobre o fluxo nos shoppings ou nas estradas, como trocar os presentes de Natal, como investir o suado décimo terceiro, melhores destinos para Réveillon e a lista não para.
Bastardos de Papai Noel
Há, no entanto, aqueles que parecem não ser filhos de Papai Noel - no máximo, um bastardo, ou nem isso. Aqueles que são usados para sustentar essa pressão por performar uma felicidade e uma vida abastada com looks novos e comprinhas para um amigo secreto (que nem sempre é tão amigo assim). São os que põem em prática o viradão dos shoppings, que fazem os ajustes das roupas brancas, que servem os drinques para alguém brindar e pedir mais prosperidade. São os pais daquelas crianças que vão precisar acreditar que as renas ficaram doentes, as noeletes entraram em greve ou que a fábrica de Papai Noel não produz bicicleta.
Enquanto alguns se apegam a simpatias, gastos sob a justificativa de comemoração e promessas que dificilmente serão cumpridas (afinal, nem as do ano passado foram), outros não têm o direito de enxergar essa época como fuga da realidade.
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