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Lei do Silêncio: Indiferença a escândalos expõe população que enterra indignação e possibilidade de mudanças
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Lei do Silêncio: Indiferença a escândalos expõe população que enterra indignação e possibilidade de mudanças
Lei do Silêncio: Anestesiados à repercussão de escândalos, população e entidades enterram a indignação é, com ela, a possibilidade de qualquer mudança
Foto: Metropress/Filipe Luiz
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 18 de dezembro de 2024
Não é por falta de escândalos e absurdos. Em uma única semana, surgiu fake news sobre a morte do presidente Lula em uma cirurgia, um ex-ministro e general foi preso por envolvimento em uma suposta tentativa de golpe, políticos e empresários foram detidos por desvios de recursos milionários. As notícias correm, lotam os portais e jornais, e fica por isso mesmo. Nada mais choca ou causa indignação. Não há revolta, manifestação e, em muitos casos, sequer nota repúdio.
Esse mesmo Jornal Metropole já trouxe há algumas semanas os supersalários no Tribunal de Justiça da Bahia. Um levantamento feito pela coluna Metropolítica mostrou que todos os desembargadores receberam remunerações acima do teto constitucional, fixado em cerca de R$ 44 mil. Teve desembargador que chegou a receber mais de R$ 150 mil no mês de outubro, mais do que o triplo do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Sem choque, sem indignação. A única manifestação foi da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), que defendeu a legalidade das remunerações.
Grito do corporativismo
De novo: não é por falta do que se indignar. O Jornal Metropole também já descortinou os gastos de deputados baianos estaduais e federais, e mostrou que os 63 parlamentares da Assembleia Legislativa da Bahia já custaram mais de R$ 30 milhões dos cofres públicos, com despesas que não incluem salários e vão de divulgação pessoal a táxi aéreo. A extravagância milionária do Fundo Eleitoral também já foi dissecada por aqui, assim como a farra de parlamentares baianos com verbas para combustível. Nenhum dos citados se deu ao trabalho de defesa. Tudo isso poderia ser um prato cheio para os políticos da oposição ou que ficaram do lado econômico das listas. Mas nem mesmo eles se posicionam. Comodismo e corporativismo falam mais alto.
Foto: Mateus Pereira/Gov
Falta revolta e sobra piada
Falaram mais alto também e calaram a oposição no desenrolar da Operação Overclean, que prendeu 16 pessoas por envolvimento em um suposto esquema de desvio de emendas parlamentares por meio de contratos firmados entre o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) e prefeituras. Um dos presos foi o vereador Francisquinho Nascimento (União), primo do deputado Elmar Nascimento (União). Longe de ser alvo de investigação, Francisquinho deve apenas entrar para as crônicas da política baiana como o personagem de uma história de humor, que jogou dinheiro pela janela para tentar se livrar das provas. O desvio não choca, mas a cena tira risadas. O que choca e causa manifestações e discussões, na verdade, é a briga entre passageiras por um assento no avião.
Sombreando a indgnação
Se denúncias envolvendo verba pública já não chocam a população, aquelas sobre prejuízos ao patrimônio da cidade não fazem nem cócegas. O novo projeto da orla soteropolitana, que prevê a concessão de tendas e quiosques para uma única empresa privada por 30 anos, é motivo de preocupação para barraqueiros e comerciantes, mas as entidades da área silenciam. Instituto dos Arquitetos da Bahia, Conselho de Arquitetura e Urbanismo, por exemplo, não se pronunciam, apesar de serem recorrentemente procurados.
Cenário semelhante acontece na Praia do Buracão, onde espigões de 16 andares podem ser construídos com aval da prefeitura. Nesse caso especificamente, um grupo pequeno de pessoas que ainda se indignam vêm resistindo e se mobilizando contra essa obra que pode causar o sombreamento da praia.
Quem enterrou a indgnação
Jailton Andrade é um dos poucos que ainda vêm utilizando as redes sociais como meio de externar sua indignação e não apenas discutir a briga pelo assento do avião. Advogado e presidente do Sindipetro-BA, ele traz em seu perfil denúncias, apurações e cobranças, mas reconhece que a população segue indiferente e desinteressada sobre os assombros que deveriam nos atormentar. “As pessoas não conseguem relacionar esses acontecimentos ao seu dia a dia”. Por isso, quando se depara com uma manifestação contra a violência interferindo o trânsito, preocupam-se com o seu itinerário e não com a segurança pública da sua cidade.
Para Jailton Andrade, parte disso é fruto de uma espécie de melindre da população, que se vê receosa de se manifestar e depois ser cobrada ou prejudicada, mas também de uma política de pão e circo. “Há historicamente a alienação do povo, que vem deixando de lado sua posição crítica em relação às coisas”, avalia.
Armazém de secos e molhados
A imprensa também tem culpa nisso. Para o jornalista Bob Fernandes, uma das razões pelas quais não há mais a mesma manifestação contra episódios de violência, crimes e denúncia é gerada pela própria exaustão das pessoas em estarem sempre expostas a “barbaridades de todos os tipos”. “Por exemplo, quando chegou o fim da pandemia, com 700 mil mortos, as pessoas já estavam cansadas de ouvir e falar. Como não protestaram contra aquilo? Como aquilo passou como se nada tivesse acontecido?”.
A mídia passa diariamente por cima das próprias notícias, com uma superficialidade e velocidade difícil de ser acompanhada. Mal se revelou o primeiro escândalo e já surge um outro atrás, com um movimento que anestesia quem consome as notícias. Se é a própria imprensa que anestesia seu público aos escândalos, ela é tudo, menos imprensa, porque, como diria o humorista Millôr Fernandes, ou a imprensa é oposição ou é um armazém de secos e molhados.
“É um derrame de informações, as mais loucas e estapafúrdias sobre tudo. E essas notícias estão submetidas a audiência ao clique. O morto de hoje amanhã já não serve mais porque já não está dando audiência”, diz Bob. Assim, fica tudo: crime, morte e corrupção. Tudo, menos a indignação, que é a força que move e muda qualquer sociedade.
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