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Na direção do caos: BRs da Bahia causam prejuízo aos motoristas e ViaBahia ignora queixas

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Na direção do caos: BRs da Bahia causam prejuízo aos motoristas e ViaBahia ignora queixas

Principal concessionária, a ViaBahia acumula queixas e corre risco de perder administração das vias por descumprimento de contrato

Na direção do caos: BRs da Bahia causam prejuízo aos motoristas e ViaBahia ignora queixas

Foto: Metropress/Filipe Luiz

Por: Mariana Bamberg no dia 17 de agosto de 2023 às 11:02

Atualizado: no dia 17 de agosto de 2023 às 12:18

Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 17 de agosto de 2023

É muito chão pela frente. São exatamente 5.093 km em rodovias federais costurando o território baiano. É nessas vias que a Bahia segue. Aos trancos, barrancos e asfalto desgastado, segue reto toda vida como um dos estados com piores BR’s do país. Segue avançando o sinal vermelho e somando um dos maiores números de acidentes no Brasil. Até pensa em pegar o retorno na concessão que deu à ViaBahia a administração das BR’s 324 e 116, mas também segue em uma privatização que só causa prejuízos a motoristas e não deixa nem o rastro de infraestrutura e segurança.

O fim do contrato de concessão só voltou a ganhar destaque, porque, na verdade, já é um assunto antigo. Em 2013, antes dos cinco primeiros anos de vigência do contrato, o então secretário de Infraestrutura, Otto Alencar, cobrou da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) o rompimento com a concessionária.

Otto acusou a agência de complacência com a situação e recebeu uma resposta mal encarada do órgão, que classificou suas declarações como “levianas, inverídicas e performáticas”. O conflito logo ganhou nomes. Otto afirmou publicamente que César Borges, na época ministro dos Transportes, estaria por trás da resposta. O ministro cobrou que ele provasse todas as acusações.

O conflito esfriou. Aos poucos, os pedidos pelo rompimento do contrato com a ViaBahia também. Nos últimos meses, a novela com a concessionária até ganhou novos capítulos, mas segue emperrada, sem solução. Enquanto isso, das rodovias em território baiano, públicas e privatizadas, mais de 70% estão em situação considerada regular, ruim ou péssima. Isso coloca a Bahia entre os dez estados com piores rodovias, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT). Ao todo, são 18 BR’s costurando o estado. Nenhuma delas está livre das reclamações de motoristas e passageiros. As queixas vão de buracos ou asfalto remendado até consecutivos reajustes em tarifas de pedágio e obras de duplicação prometidas e nunca cumpridas.

As maiores do Brasil 
Junto com a BR-101, a 116 divide o posto de maior rodovia do Brasil. Enquanto a segunda percorre 4.660 km ligando o Ceará ao Rio Grande do Sul, a primeira, com 200 km a menos, corta a costa atlântica do país em um trajeto entre o Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul. Na semana passada, o governo federal anunciou que trechos dessas rodovias vão ser duplicadas. As duplicações já vêm tarde, porque além do posto de maior do país, elas dividem também o título de mais perigosas. Na Bahia, lideram disparado o número de acidentes. Junto com a BR-324 somam mais de 64% dos 2.057 acidentes em rodovias federais no estado, entre janeiro e julho deste ano.

Foto: Filipe Luiz

Palanque asfaltado
A má fama das BR’s baianas, claro, tem sido motivo de empurra-empurra de responsabilidade e, vez ou outra, palco para quem quer mostrar “generosidade”. Em abril de 2021, por exemplo, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve no estado. Ele percorreu 1.363 km de Brasília até Conceição do Jacuípe, para inaugurar míseros 22 km de duplicação da BR-101, entre Feira de Santana e a divisa Bahia-Sergipe. O trecho corresponde a um passeio entre o Centro de Salvador e Lauro de Freitas. Quase nada comparado aos 165 km do trecho que liga os dois estados. As obras, inclusive, foram iniciadas em 2014, ainda no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (PT), como parte do PAC. Restam ainda cerca de 90 km não duplicados.

No sul do estado, uma rodovia federal também virou palanque. Com a dificuldade para a duplicação do trecho da BR-415 que liga as cidades de Ilhéus e Itabuna, o governo do estado passou na frente da gestão federal e está construindo uma nova estrada percorrendo o mesmo trajeto: a BA-649. É um trecho de 18 km de rodovia, com quatro pontes e um viaduto. A previsão é que tudo isso custe R$ 196 milhões e seja concluído até o ano que vem.

Em 2021, o então governador Rui Costa (PT) chegou a anunciar que passaria a administrar a BR e, “cansado de esperar o governo federal”, que em 2014 já havia aberto licitação para a obra, assumiria a duplicação com recursos estaduais. No ano seguinte, a gestão do petista decidiu construir uma via alternativa e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), depois de oito anos de espera, entregou 4,2 km de duplicação da BR. Uma ampliação discreta e controvérsia, já que motoristas acusam o governo federal de ter retirado o acostamento para dar espaço à nova faixa prometida.

Quando o público é melhor do que o privado
Os problemas das duplicações não se resumem às faixas amarelas das rodovias públicas. Na verdade, há até quem diga que as privatizadas estão em situação ainda pior. O presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), José Henrique Silva Tigre (PSD), prefeito de Belo Campo, é um deles. Quinho, como é conhecido, não tem dúvida de que o trecho de maior caos no estado é o da BR-116 e da BR-324, aquele utilizado por quem sai de Salvador, passa por Feira de Santana e segue até Vitória da Conquista para a divisa com Minas Gerais. O percurso de pouco mais de 660 km é administrado pela ViaBahia.

“A rodovia pública, por incrível que pareça, está melhor do que a privatizada. O trecho entre Serrinha e Santa Bárbara, que não tem concessão, já está sendo duplicado e os outros trechos não. Temos um quantitativo de veículos que sem duplicação deixa o trânsito lento, motorista ansioso e consequentemente causa diversos acidentes. Não faz sentido esse modus operandi da ViaBahia, isso é ingerência, é má administração”, afirmou o presidente da UPB ao Jornal Metropole.

A duplicação cobrada por Quinho já estava prevista na minuta de contrato no edital de licitação para concessão das rodovias. Isso foi em 2014, quando a ViaBahia venceu a disputa, com uma tarifa de R$ 2,212 frente à proposta de R$ 2,517 da concorrência. Na época, representantes do grupo administrador da concessionária chegaram a comemorar o deságio e afirmaram que estavam bem confortáveis com o valor. Agora, o discurso adotado é que o negócio está dando prejuízo e o período pandêmico elevou os preços para a construção civil.

Crítico da situação das rodovias, Quinho já ameaçou intervenção nas BRs por meio da UPB. “Instituições privadas que exploram o serviço público têm que ter respeito pelo povo”, afirmou.

Foto: Filipe Luiz

Número 1 em descumprimento
A fama das BR’s baianas e os pedidos pelo fim do contrato com a ViaBahia não são de hoje, mas só em 2020 o caldo começou a realmente entornar para a concessionária. Na época, Tarcísio Freitas (Republicanos), então ministro da Infraestrutura e hoje governador de São Paulo, deixou claro que queria tirar, a qualquer custo, a concessionária da administração das rodovias, fosse ela uma saída amigável ou não. Enfático, ele classificou essa como a pior concessão do país. Naquele ano, Tarcísio chegou a falar com o Jornal Metropole e comparou o trecho privatizado com as rodovias públicas.

“Imagine que sem cobrar tarifa e com a maior restrição orçamentária de sua história, o DNIT consegue manter a BR-116 em melhores condições do que a concessionária cobrando pedágio. Estive no trecho esse ano, sou engenheiro, conheço de asfalto. Não há um trabalho efetivo de conservação. Só tapa-buraco. Não faz sentido o que o baiano vem pagando no único acesso federal a Salvador para o nível de serviço que está sendo ofertado”, disse na época.

Logo depois disso, a ANTT, que já vivia uma queda de braço com a empresa desde 2013, aprovou um processo administrativo de caducidade do contrato com a concessionária. De acordo com informações da agência, nos 11 primeiros anos de administração das rodovias, a ViaBahia teve um índice de inexecução contratual próximo a 100%. Neste período, o máximo cumprido pela empresa foi entre 2015 e 2016, quando nem 17% dos serviços foram entregues. Entre as principais inadimplências, estão a situação da pavimentação das vias, viadutos de acesso e duplicações. As multas da ANTT na ViaBahia chegaram a somar mais de R$ 23 milhões e no final de 2021 a agência reduziu a tarifa do pedágio como retaliação aos descumprimentos.

Uma liminar (decisão provisória) proibiu que um processo de caducidade e anulação da concessão fossem abertos. Agora, já sob novo comando, o Ministério dos Transportes, pasta responsável pelas rodovias e concessões rodoviárias na nova gestão federal, tem buscado uma solução consensual com a ViaBahia e recorreu à mediação do Tribunal de Contas da União (TCU). O ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), informou que o governo federal só aguarda autorização do tribunal para renegociar o contrato com a empresa e retornar os investimentos nas rodovias privatizadas. Ao Jornal Metropole, a concessionária afirmou que tem conseguido avançar nas tratativas com o ministério e que, mesmo com desequilíbrio econômico-financeiro, vem realizando os serviços de conservação e manutenção das rodovias. Ainda de acordo com a empresa, uma solução amigável permitiria a entrega de mais de 40 km de duplicação e intervenções em mais de 200 km de pavimento, além da entrega de vários dispositivos.

Pedágio para o perigo
Mas os percalços na pista da ViaBahia não param por aí. Ela entrou na mira também dos deputados, que querem convocar uma CPI para apurar a empresa. Para os trabalhos serem iniciados, é necessário que o presidente da AL-BA, Adolfo Menezes (PSD), faça a leitura do requerimento em plenário, mas o parlamentar já afirmou que a Casa não tem competência para avançar no caso, uma vez que a concessão é federal. Agora, uma comitiva de deputados protocolou uma representação criminal contra a ViaBahia na Polícia Federal. Eles querem que a responsabilidade da concessionária na manutenção das rodovias seja apurada e, caso comprovada a negligência, os gestores sejam presos.

Enquanto as autoridades não tomam ações em relação à empresa, os condutores que transitam pela via enfrentam a ameaça de se tornarem as próximas vítimas de uma rodovia marcada pelo caos.