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Cartilha autoritária: Bolsonaro cogita manobra para interferir no STF e põe em risco a democracia

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Cartilha autoritária: Bolsonaro cogita manobra para interferir no STF e põe em risco a democracia

Presidente Jair Bolsonaro (PL) cogita aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal; manobra só aconteceu no Brasil durante a ditadura militar

Cartilha autoritária: Bolsonaro cogita manobra para interferir no STF e põe em risco a democracia

Foto: Nelson Jr./Agência Brasil

Por: Mariana Bamberg e Rodrigo Daniel Silva no dia 14 de outubro de 2022 às 10:07

Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 14 de outubro de 2022 

Uma proposta que parece sem qualquer pretensão, mas, na verdade, esconde uma verdadeira ameaça à democracia brasileira foi sugerida na semana passada pelo presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL). A manobra cogitada é ampliar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de 11 para 16, o que garantiria a Bolsonaro uma Corte formada por maioria indicada por ele.

Nos últimos dois anos, Bolsonaro já indicou Nunes Marques e André Mendonça. Caso reeleito, ele terá, no ano que vem, mais dois nomes na Corte para substituir Ricardo Lewandowski e de Rosa Weber, que irão se aposentar compulsoriamente. Com a ampliação, o presidente indicaria ainda os novos cinco nomes, somando 9 dos eventuais 16 ministros do Supremo. 

Bolsonaro nega que o plano seja com o objetivo de controlar o Judiciário. O presidente alega que a ideia é combater um suposto "ativismo judicial". Apesar de ter afirmado que analisaria a proposta após a eleição, na última terça-feira, ele voltou atrás e chegou a afirmar que era tudo "invenção da imprensa”. 

A grave proposta do presidente da República ganhou respaldo de outras autoridades políticas, como o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). “É uma necessidade de enquadramento do ativismo do Judiciário. O ambiente é que define a possibilidade da mudança”, afirmou em entrevista à GloboNews. 

O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), que foi eleito senador no pleito deste ano, também se mostrou favorável a ampliar a composição do STF, mas posteriormente recuou e disse que era apenas defensor de ter mandatos para os ministros. Os bolsonaristas têm sido críticos ferrenhos da Corte brasileira, com uma ala, inclusive, que pede o fechamento do Supremo. O senador Luís Carlos Heinze (PP-RS), por exemplo, chegou a protocolar um pedido de impeachment contra Luís Roberto Barroso no início deste ano.

O plano cogitado por Bolsonaro encontrou também uma forte reação na classe política e jurídica. Adversário na disputa pela Presidência, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou a ameaça e afirmou que "nunca" pediu "um favor" nem indicou amigos para o STF.

Ex-ministro da Corte Celso de Mello considerou a proposta como fruto de "mentes autoritárias". Para ele, a intenção é "sufocar a independência da Corte Suprema, que representa um dos pilares fundamentais em que se assenta o Estado democrático de Direito".

Marco Aurélio Mello, também ex-ministro do STF, declarou que o plano não merecia “endosso dos homens de bem" e o classificou como "saudosismo puro" à ditadura militar. Isso porque a ideia ventilada pelo presidente Bolsonaro tem inspiração no regime militar.
 
Inspirações ditatoriais
O ano era 1965, no dia 27 de outubro, há exatamente 57 anos e 15 dias. O Ato Institucional nº 02 (AI-2) instaurava, entre outras medidas, uma nova composição à Suprema Corte, que passava de 11 para 16 integrantes - exatamente como cogita o presidente. Posteriormente, a Constituição de 24 de janeiro de 1967 confirmou o acréscimo. 

A medida durou até 1969. Neste período, o presidente Arthur Costa e Silva ainda decretou a aposentadoria compulsória de três ministros sem ligação com os militares: Evandro Lins, Hermes Lima e Victor Nunes. Outros dois, Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayette de Andrade, deixaram a Corte em protesto. 

As perdas diminuíram ainda mais a independência e o poder de atuação do Judiciário, que àquela altura já estava proibido de julgar habeas corpus nos casos de crimes políticos e contra a segurança nacional. Segundo o próprio STF, em seu site, não era interessante para o regime fechar a Corte, “porque isso configuraria a ditadura na sua forma mais primitiva”. Por isso, o Supremo permaneceu aberto, mas com extrema ingerência dos militares. 

A manobra de Bolsonaro já é uma velha conhecida da cartilha das ditaduras. Na Hungria, por exemplo, o autócrata Viktor Orbán, desde que voltou a liderar o país em 2010, tem implementado uma série de medidas para sufocar a independência do Judiciário. Entre elas, está a redução da idade para a aposentadoria compulsória de juízes, que passou de 70 para 62 anos, abrindo espaço para a chegada de novos nomes alinhados ao governo. Após pressão da União Europeia, a redução da idade foi revogada, mas a maioria dos magistrados acabou optando por não voltar à ativa. Bolsonaro chegou a tentar a mesma manobra no ano passado, mas acabou esbarrando no Congresso. 

A comparação pode ser feita inclusive com a própria Venezuela, a quem Bolsonaro se referia, durante sua primeira campanha, como exemplo do que não queria para o Brasil. No país vizinho, as medidas de Hugo Chávez ficaram marcadas também pelo cerco à Justiça. Em 2004, por exemplo, o chavismo assumiu o controle político da Corte e adicionou 12 assentos ao Tribunal, que passou a contar com 32 juízes. 

A medida, que acabou fazendo com que o Judiciário parasse de fiscalizar o Executivo, só foi possível por meio de uma lei enviada ao Parlamento. Para que o número de ministros do STF seja elevado no Brasil, uma proposta também deve ser enviada ao Congresso e precisará passar por toda a tramitação na Câmara e Senado, onde o partido do presidente tem as maiores bancadas.