Cultura
Beleza e ancestralidade: Ilê Aiyê desfila neste sábado em ato tradicional no Curuzu
O 'Mais Belo dos Belos’ vai se concentrar a partir das 20h e fazer a tradicional saída da Senzala do Barro Preto, no Curuzu
Foto: Adriel Francisco/Secult BA
Um canto de liberdade. Era uma sexta-feira, dia 1º de novembro de 1974, foi quando Vovô, Macalé e Apolônio deram início à revolução. Como bons filhos da folia, eles queria curtir também o Carnaval e deram um jeito de fazer acontecer. Em 2024, esse movimento, que ficou conhecido como o mais belo dos belos completa 50 anos: é o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil.
O antropólogo Vilson Caetano classifica a criação do Ilê como um grande levante e lembra que até os dias de hoje o bloco onde pessoas brancas não podem sair é visto como o “mais belo dos belos”. “Foi um grande protesto no carnaval. Imagine aquele grupo de jovens formado por homens e mulheres negras, com roupas coloridas, punhos cerrados, cabelos desarrumados, como se fala na Bahia, ‘cabelos assanhados’, reivindicar o espaço dentro do Carnaval de Salvador. Era dizer de fato que os negros existiam”, afirma o antropólogo.
Sem imaginar a dimensão do que estavam prestes a construir, sob a benção de Mãe Hilda Jitolu, os três - Vovô, Macalé e Apolônio - deram início ao primeiro bloco afro do país. Com uma forte marca no combate ao racismo, os jovens foram inspirados pelas lutas por direitos civis nos Estados Unidos, com os movimentos Black Power e Panteras Negras e pelas guerras de libertação contra o colonialismo na África.
Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê, ainda lembra da primeira vez que colocou o bloco na rua. “Era um grupo pequeno, 100 pessoas desfilando na Liberdade. Foi muito forte, as famílias saindo, mesmo com receio de participar por conta do regime na época, que era a ditadura. Também foi muito emocionante a gente chegar pela primeira vez na Avenida, desfilando, saindo do Campo Grande”, relembra.
Negro de Luz
Para o antropólogo, o Ilê Aiyê surge afirmando o mais gritante, o que salta os olhos: “os nossos cabelos desarrumados, nosso cabelo duro, a boca grande, a cor da pele retinta e nossas cores coloridas”.
“Nessa diáspora e nessa cidade que embora seja uma das cidades mais negra fora do continente africano, é uma cidade aonde as populações descendentes desses grupos sofrem e ocupam rankings que já poderiam ser superados pensando na violência doméstica, pensando na questão da morte da população negra, sobretudo os jovens”, explica o antropólogo, evidenciando a importância do Ilê para a força e autoestima do povo preto de Salvador.
Mesmo com todas as dificuldades para resistir, o Ilê se tornou símbolo de orgulho, uma forte expressão política e cultural que inspirou gerações. Abriu as portas para Salvador e a Bahia mostrarem sua verdadeira cara através da música e do tambor. Após a fundação dele, outros blocos afos surgiram, enriquecendo ainda mais a cultura afro-brasileira. Entre eles, destacam-se o Olodum, Muzenza e Araketu, seguindo a tradição de celebrar e honrar as raízes africanas através da música e da dança.
Mais belo dos belos
Vilson Caetano menciona que é muito importante todo trabalho de valorização da cor, da roupa, através de pesquisas que vão ao continente africano, recuperando os turbantes, as tranças para reafirmar esses elementos estéticos. “O colorido das roupas, o amarrado das cangas, os turbantes, até chegar de fato ao concurso da Beleza Negra. Dizer que o negro é belo, fazendo um concurso completamente fora do padrão, valorizando a corpulência das nossas mulheres e a dança também, que era considerada primitiva” afirma.
Essa é a descrição do sonho de Dete Lima, estilista do Ilê Aiyê. Ela, que iniciou a relação com o bloco desde muito nova, atribui ao Ilê e o Ilê Axé Jitolú a regra e compasso para criar e recriar toda essa estética. “Eu só tenho gratidão, porque eram coisas que pensava quando criança, e foi um sonho que consegui realizar. Quando via minha mãe [Mãe Hilda] cuidar das vestimentas especiais, ficava sempre pensando o que poderia fazer no corpo e na cabeça de uma mulher”, relata a estilista.
Com o surgimento do Ilê Dete Lima pôde dar vida ao que imaginava quando criança. Aos 70 anos, reconhece na força feminina o apoio necessário para trajetória dentro do bloco. “Toda essa criação da amarração no corpo, na cabeça com um tecido aberto sem nenhuma costura, que vou modelando no corpo daquela rainha, daquela deusa, é emocionante e importante”, dissse.
Muitas mulheres já passaram pelas mãos da estilista, que vê em cada uma delas uma deusa do ébano, uma rainha. “O torço, é a nossa coroa, e eu agradeço aos meus ancestrais por ser escolhida para dar vida a um tecido no corpo de todas nós. Falo com muita emoção. O que mais me marcou de tudo isso foi o primeiro carnaval sem Mãe Hilda, eu vestindo a deusa do ébano no Barracão sem a presença dela para dar o aval”, relembra emocionada. Para Dete Lima, o Ilê é vida, é o ar, sangue que corre nas veias. “Ah, se não fosse Ilê Aiyê, eu não sei caminhar sem o Ilê. O Ilê é o meu coração”, conclui.
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