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Desespero pela hegemonia

Ninguém precisa de batom e perfume para vender perfume e batom. O que vende é conceito, polêmica e engajamento, contra ou a favor
Foto: Reprodução
Três campanhas publicitárias atuais, a de uma marca de perfumes e cosméticos para o Dia das Mães, a de uma empresa de telefonia alertando para o vício em celular e a de uma big tech anunciando o quanto a sua rede social é legal com adolescentes, são cases paradigmáticos que renderiam boas teses, se alguém ainda estivesse interessado em teses. Tanto sobre os paradoxos, contradições e estratégias da publicidade para seduzir como sobre os sempre surpreendentes mecanismos do capitalismo para driblar a percepção do consumidor.
Uma das gigantes da perfumaria brasileira lançou nesta semana sua esperada campanha para alavancar as vendas no Dia das Mães, uma das principais datas para o comércio no Brasil, junto com o Natal, o Dia das Crianças e o dos Namorados (sorry, Dia dos Pais…). Ninguém precisa de batom e perfume para vender perfume e batom. O que vende é conceito, polêmica e engajamento, contra ou a favor. A marca, então, para vender o segundo domingo de maio, fez uma campanha sobre quem não é mãe, mas deseja ser.
Telefonia sem telefone
Publicidade é desejo, mas se este é emoldurado com polêmica e problematização, oba. O que se ganhará em mídia espontânea já garante o sucesso. Quando a Páscoa ficar para trás, estreará a campanha da marca do Dia das Mães, sem mães, estrelada por TENTANTES. Tentantes são mulheres que há muito tempo tentam ser mães e não conseguem engravidar ou levar a gravidez adiante. Há as tentantes adotantes, que desistem e adotam filhos, mas essas não estão na campanha. O conceito é em torno da tristeza, da frustração e do gatilho diante de mães felizes e crianças alheias sorrindo. Deve render bastante em repercussão, pelo tom da tristeza explorada. E deve movimentar o caixa, direta ou indiretamente, fixando a marca no imaginário do público.
Na mesma vibe, na aposta no conteúdo do que não se é, está também a campanha da empresa de telefonia, que vende celulares e planos de dados. Enquanto séries, projetos de lei, casos de vício em ascensão e coisas nada saudáveis são associadas ao celular, uma das líderes de mercado no Brasil surge como diva sensata questionando o consumidor por que ele fica tanto tempo no celular, ao invés de dar atenção a amigos, filhos e casamento. Por que choras, paradoxo? O mesmo faz a big tech, ao fazer anúncios de páginas inteiras nos principais veículos do país avisando a pais e mães zelosos o quanto a sua rede social está cuidando da saúde mental e da segurança dos adolescentes.
Um primor os três cases. Uma campanha do Dia das Mães sem mães, uma empresa de telefonia dizendo que usar o telefone é ruim e uma rede social que adoece jovens acenando para os pais lhes dizendo para lhe confiar a segurança dos filhos. E a gente acha tudo isso lindo. E compra conceito e produto. Oliviero Toscani, publicitário italiano morto este ano, escreveu: ‘a publicidade é um cadáver que nos sorri’. E nós sorrimos de volta, comprando tudo.
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