Quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

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Os coletes da Timbalada

Os coletes da Timbalada

A pauta do jornalismo pode não ser das melhores. Mas o real das ruas e da burocracia pública é muito pior

Os coletes da Timbalada

Foto: Reprodução

Por: Malu Fontes no dia 13 de fevereiro de 2025 às 06:01

A miséria social brasileira, a precarização do trabalho, o desemprego, a esperteza de quem, a pretexto da sobrevivência, arranca dinheiro de quem parece mais indefeso fisicamente, as soluções públicas para os bárbaros e o cardápio jornalístico desenham, todos os dias, o quanto ao redor do buraco onde estamos tudo é beira escorregadia. Nos dividimos entre assombrados e conformados diante das notícias. Durante a semana, os telejornais locais dedicaram, no conjunto, blocos exaustivos a dois fatos ilustrativos da indigência social brasileira e da cidade como palco da nossa miséria. Isso depois de aqui e ali a imprensa, como faz todos os anos, dedicar farto espaço a um tema da mesma gaveta e que nunca sai do lugar: o valor da diária dos cordeiros. 

No caso 1, três homens que trabalham com ‘pintura corporal’, o que se traduz em comprar um pote de tinta e sair pela cidade pintando o corpo de turistas com os traços brancos que caracterizam a Timbalada, teriam obrigado mãe e filho a lhes pagar 250 reais, após pintá-los, agredi-los e ameaçá-los. Polícia chamada, um homem preso por extorsão, vieram as horas nobres no jornalismo televisivo. Repórteres ao vivo, entrevistas com autoridades, povo fala, turistas contando os perrengues das abordagens, o poder público anunciando a solução. A Prefeitura vai treinar, cadastrar, e a burocracia pública vai impedir gente assediando turistas para pintá-los. A solução: somente quem estiver com um colete oficial de pintor corporal pode passar tinta em gente. 

Amarelinha e os franceses

No caso 2, vários ambulantes, agora também procurados pela polícia, acharam por bem garantir os centímetros mais nobres do granito que cobre o chão das imediações do Farol da Barra e fizeram traços que remetem à marcação do jogo infantil da amarelinha, escrevendo dentro dos quadrados, com tinta irremovível, seus apelidos e alguns números. Polícia, máquinas tentando raspar o granito, nada de a tinta sair e o poder público atrás de quem fez os riscos. 

Na TV, autoridades anunciam que estão procurando-os,  garantindo que vão ser presos e processados e que todos perderão o cadastro de ambulantes, não terão mais licença para vender nada em festa alguma. Embora muita gente reclame das pautas e dos conteúdos da dieta noticiosa, especialmente no café da manhã e no almoço, bem ou mal o jornalismo desenha com alguma precisão o mundo onde estamos. É tentador recorrer à referência aos coletes amarelos que outro dia tocaram o terror em protestos na França. Vejamos em que contextos, como e quando se recorre a um colete e fica fácil imaginar o abismo que nos separa da busca de solução real para problemas sociais. A pauta do jornalismo pode não ser das melhores. Mas o real das ruas e da burocracia pública é muito pior.