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Candeal, o último bairro de Salvador

Candeal, o último bairro de Salvador

Fundado por uma mulher, dona Josefa Santana, no século XVIII, o Candeal tem algo de feminino, de matriarcal, permeando suas ruas e becos. Talvez até devesse se chamar a Candeal

Candeal, o último bairro de Salvador

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 09 de novembro de 2023 às 00:00

Um dia o pintor Carybé escreveu que Salvador não é uma cidade de contrastes, ao contrário, é uma cidade onde tudo tem a ver com tudo “e se funde, se interpenetra”. Às vezes, diante do crescente domínio das facções criminosas dividindo regiões, bairros, favelas, comunidades e ruas, me pergunto se ainda é assim. Isto é, se ainda somos uma capital harmoniosa, integrada, como de fato um dia fomos, apesar de todos os conflitos históricos que também de fato ocorreram. Eu, por exemplo, sou da Liberdade, o icônico bairro que fez nascer o bloco afro Ilê Aiyê, o pioneiro, há 49 anos. Mais, sou da rua do Curuzu, a mesma do Ilê. Pois um dia desses, em visita à minha prima que ainda mora lá, decidimos pedir um pirão do Rei do Pirão. E… o entregador recusou-se a levar até lá. Tivemos que descer e pegar na San Martin, pois o Curuzu é considerado insalubre, perigoso, selvagem, mortífero. Vou culpar o entregador, certamente também morador de periferia?

Pois bem, estou falando disso para chegar ao Candeal. Sempre que vou ali, e tenho ido cada vez mais, especialmente às segundas-feiras, bater o feijão de Kabaça, tenho a forte sensação de estar num lugar especial, distinto, como que não atingido pela onda de grosseria que assola fortemente a nossa cidade. Melhor dizendo, sinto como se estivesse no último bairro de Salvador. Último no sentido de remanescente. Claro que existem outros lugares que conseguiram preservar seus traços essenciais. A cidade baixa, por exemplo, mantém bolsões de vida mansa. Mas, o Candeal é diferente, inclusive pela localização: cercado de torres por todos os lados, ele se mantém basicamente horizontal, vicinal, com casinhas singelas onde os moradores todos se conhecem e se conversam. Um verdadeiro milagre ao lado do Cidade Jardim e do Horto Florestal. “El Milagro de Candeal”, como batizou Fernando Trueba o seu documentário de 2004.

Fundado por uma mulher, dona Josefa Santana, no século XVIII, o Candeal tem algo de feminino, de matriarcal, permeando suas ruas e becos. Talvez até devesse se chamar a Candeal. Nesse fim de semana acontece lá o festival de arte urbana Candyall e Tal, onde a principal atração é o próprio bairro. Eu não vou convidar ninguém, pra não parecer que estou fazendo propaganda. Mas, quem for, certamente não irá se arrepender.