
Política
Jornadas de Junho: Relembre as manifestações que abalaram a política brasileira e abriram novo ciclo no país
Em junho de 2013, foram iniciadas manifestações devido ao alto custo das passagens nos transportes públicos, mas os protestos logo se transformaram em algo maior, atingindo diretamente o sistema político da época

Foto: Raphael Tsavkko Garcia/Flickr - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil - José C
Inicialmente em prol da pauta do transporte público, as manifestações de junho de 2013 tomaram proporções que acabaram por revelar a insatisfação da população, posteriormente, com o sistema político no Brasil.
O que se iniciou com protestos contra a carestia das passagens, logo se transformou em brados de “o gigante acordou” emendados por “não vai ter Copa”. Depois, a força do discurso anticorrupção marcou, pelos 10 anos que se seguiram, a história do país.
As manifestações
Os protestos começaram com estudantes e o Movimento Passe Livre, de forma pontual, ainda no início de 2012, em Natal e no Rio de Janeiro, contra o aumento nas passagens de ônibus. Em 2013, os primeiros atos aconteceram em Porto Alegre, ainda em janeiro. Em maio, foi a vez de Goiânia. Mas foi em junho que as mobilizações ganharam corpo na maioria das capitais do Brasil, com queimas de pneus e bombas caseiras.
Em Salvador, os manifestantes se organizaram cinco vezes ao longo de junho. A Avenida Sete, a ACM e o Campo Grande foram alguns dos palcos dos atos, marcados, em algumas ocasiões, por respostas truculentas da Polícia Militar, inclusive contra jornalistas que cobriam os eventos.
A capital baiana ainda protagonizou o apedrejamento de dois ônibus da Fifa (Federação Internacional de Futebol) em frente ao antigo Hotel da Bahia, onde membros da entidade máxima do futebol estavam hospedados.
Um manifestante chegou a morrer em Ribeirão Preto atropelado durante um dos protestos. Gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, gás de pimenta e tiros de bala de borracha eram palavras comumente ouvidas nos noticiários dos que acompanhavam o momento histórico. O Congresso Nacional chegou a ter os telhados ocupados, em Brasília, e mais de 1 milhão de pessoas compareceram aos novos protestos em 388 cidades do Brasil no dia 17 de junho.
Rapidamente, as manifestações passaram a não se restringir mais ao tema do transporte público. Paulo Fábio Dantas Neto, cientista político e professor da Ufba (Universidade Federal da Bahia), considera que a partir deste período, o Brasil entrou em outro ciclo político.
"No primeiro momento, os movimentos de 2013 estavam preocupados com as políticas públicas, ninguém estava falando do sistema político. Quem reagiu mal a esses movimentos tentando desviar a conversa foi uma parte dos operadores. O governo, inclusive. Até proposta de mudança da Constituição aconteceu. Ora, era uma conversa de surdo, porque os movimentos cobravam eficiência dos serviços públicos”, analisa o especialista, em entrevista ao Metro1.
No mesmo mês, a presidente Dilma Rousseff (PT) fez um primeiro pronunciamento oficial prometendo fazer um pacto com governadores e prefeitos com objetivo de melhorar as áreas de transporte, educação e saúde, e pedindo pela pacificidade nos protestos.
Desdobramento
Um ano depois das Jornadas de Junho, foi deflagrada a primeira fase da Operação Lava Jato, que ficaria conhecida como a maior investigação sobre corrupção no Brasil. A força-tarefa cumpriu mais de mil mandados de busca e apreensão, prisão temporária, prisão preventiva e condução coercitiva, e descobriu um esquema de corrupção na Petrobras envolvendo políticos de diferentes partidos e empresas públicas e privadas.
Em ano de Copa do Mundo, as revoltas se intensificaram e ocorreram, inclusive, dentro dos estádios, com gritos anti-corrupção. Figuras como Sérgio Moro, juiz que julgou réus da operação, ganharam força, assim como discursos de políticos que se diziam ser “diferentes” dos demais. Eram os chamados "outsiders".
O impeachment
Em meio ao contexto de baixa popularidade e de uma crise econômica e política, em dezembro de 2015, foi aberto o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). A primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil foi cassada em 2016, com a justificativa das “pedaladas fiscais”.
Analistas avaliaram como frágil os argumentos para o impeachment, uma vez que governos sempre fizeram essa manobra, que consiste em o Tesouro Nacional atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos e autarquias, como o INSS, com a ideia de melhorar artificialmente as contas federais. Muitos, portanto, consideram que o motivo da queda da presidente foi uma dificuldade de articulação política, e uma negativa em atender pedidos do Congresso Nacional. Assumiu o cargo seu vice-presidente Michel Temer (MDB).
A força da extrema direita
Foi a partir de 2013 que a direita e a extrema direita passaram a crescer no país, e a tentar direcionar manifestações populares. O pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), Rodrigo Carreiro, relembra que no período final dos protestos, as lideranças tentaram dar um falso tom de neutralidade aos atos e proibiram levantar bandeiras de esquerda. O movimento antipetista ganhava força.
“O movimento foi crescendo aos poucos, abarcou outras identidades e se afastou da esquerda. No final, já era proibido que bandeiras fossem levadas, bandeiras que normalmente eram de esquerda, como a do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a do PT. Na época, pautas da direita que estavam negligenciadas ganharam espaço e se consolidaram. Bolsonaro não surge do nada, ele foi um ponto de encontro de pautas morais e políticas”, afirma.
A eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018 pode ser compreendida, inclusive, a partir destes atos anti-petistas, que se fortaleceram com o impeachment e a operação Lava Jato. A ideia nos protestos era buscar uma nova alternativa política, distante de escândalos de corrupção.
“Em 2013, a gente viu, de forma concreta, a política do PT ruir na nossa frente. Isso dá fagulha para as manifestações, e revela que o país estava precisando de mudança, o que o PT não percebeu de cara, não conseguiu lidar. A ascensão de Bolsonaro é uma continuação desse processo”, avalia Carreiro.
O beco do Brasil
Com grande dificuldade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que saiu de seu segundo mandato com 80% de aprovação, foi preso em 2018 pela operação Lava Jato. Mas voltaria ao poder após ser solto e concorrer contra Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022. Apesar da derrota de Bolsonaro, a extrema direita permaneceu com grande força na Câmara dos Deputados e no Senado.
O momento atual é definido como um "beco" pelo professor Paulo Fábio Dantas Neto. "Estivemos até o ano passado na beira de um abismo. Escapamos de um precipício e entramos em um beco. As coordenadas mudaram na política a partir de 2013, porque aqueles eventos causaram impactos que geraram outras ações que chegaram onde estamos hoje", ressalta.
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