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Chegada dos conglomerados educacionais impacta escolas independentes e rede pública

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Chegada dos conglomerados educacionais impacta escolas independentes e rede pública

Com chegada de conglomerados educacionais em Salvador, surge um modelo mercantilista, escalonado de educação que invade salas de aula das escolas compradas e interfere na atuação dos colégios independentes e, até mesmo, da rede pública

Chegada dos conglomerados educacionais impacta escolas independentes e rede pública

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Por: Daniela Gonzalez no dia 25 de abril de 2025 às 08:57

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 25 de abril de 2025

Esqueça tudo o que te disseram sobre escolas formarem cidadãos. O que importa agora é entregar resultados – de preferência em forma de aprovações em medicina, números altos no Enem e uma fila de alunos com a mesma cara, mesma meta e mesmo cronograma. O avanço de grandes redes em colégios tradicionais da capital baiana, sob a lógica do mercado, já tem sido imposto também às escolas independentes e até mesmo às redes públicas.

Fábrica de vestibulandos

Nas salas de aula, alunos já não são vistos como sujeitos com histórias, dúvidas ou interesses. São, antes, produtos em estágio de finalização. Uma lógica tão silenciosa quanto eficaz: as escolas se vendem como “formadoras de futuros” e entregam o que, na prática, o mercado quer: números de aprovação, rankings, selos dourados de excelência. No meio do caminho, o que se perde? Vínculo, saúde mental, potencial crítico, cultural e cidadãos preocupados com a coletividade. Mas, tudo bem, afinal nada disso sai no Enem, mas o lucro sim cai na conta das grandes redes.

Esse novo modelo, de tornar as escolas empresas em busca do lucro e predadoras das concorrentes, surgiu com a chamada reforma empresarial da educação, nos Estados Unidos, entre os anos 1990 e 2000. Hoje já criticado e questionado, esse sistema defende justamente que a qualidade das escolas é medida pelo desempenho dos alunos em provas padronizadas. É nessa onda que surfam os grandes conglomerados educacionais.

Educação fast-food

Quando uma escola tradicional é vendida a um grupo empresarial, não se trata apenas de mudança na administração. Trata-se de uma conversão completa: da autonomia à pasteurização. O material é o mesmo, o sistema é o mesmo, os valores e prioridades são os mesmos em todos os colégios da rede. Só o preço que varia, sempre para cima. A lógica é clara: padronizar para escalar. Porque é mais fácil replicar um modelo que “funciona” – ainda que esse funcionamento sirva mais ao Excel dos investidores do que à aprendizagem dos alunos.

Educação vira ativo financeiro

Para o presidente do Sindicato dos Professores da Bahia (Sinpro-BA), Allyson Mustafa, a lógica de mercado tem transformado a educação em mais um ativo financeiro. Dentro desse modelo de mercantilização e financeirização, escolas e seus donos são atraídos pelo potencial comercial da atividade, lucrando também com a venda de materiais didáticos vinculados a sistemas e plataformas de ensino. Esse processo, segundo ele, intensifica a concentração de capital nas mãos de poucos grupos, que acabam esvaziando a concorrência de forma predatória.

“Essa padronização interfere diretamente na disputa de mercado. Muitas escolas deixaram de focar na formação integral dos estudantes e passaram a priorizar a capacidade de responder a provas cada vez mais superficiais. Isso gera um ciclo vicioso, com práticas pedagógicas centradas na massificação e na repetição”, afirmou Mustafa.

Quando a lógica empresarial contamina todo o sistema

Não são apenas as escolas vendidas que mudam de rumo. Quando conglomerados empresariais assumem o controle de instituições de ensino, seus métodos e metas se espalham “como um padrão de excelência – ainda que esse padrão tenha mais a ver com o mercado do que com o aprendizado. O impacto se alastra. Professores, mesmo fora desses grupos, acabam sendo pressionados a adotar a mesma lógica, seja para “não perder aluno”, seja para se manter competitivos ou porque simplesmente acreditam que esse é o modelo a ser seguido. A própria formação docente é moldada por essas novas exigências. E, na ponta, até as escolas públicas sentem o reflexo.

Para Nelson Pretto, professor da UFBA, a educação está sendo transformada em mercadoria e os professores, em operadores desses negócios, conduzidos por grandes empresas com ativos em bolsas de valores. “Empresas que buscam formatar os professores, para que passem a executar tarefas previamente estabelecidas. Aquilo que sempre defendemos como essência da educação está sendo destruído por essa lógica centralizadora, que impõe não apenas currículos, mas também materiais padronizados”, explica.

Esse modelo é, para Nelson Pretto, a verdadeira destruição da educação. Seja ela privada, onde essas empresas já chegaram. Seja ela pública, onde empresas travestidas de fundações e de agrupamentos (das áreas de telecomunicações, de bancos ou mesmo de conglomerados de empresas liderados por grupos de bebidas) vêm avançando e transformando a educação em mais um objeto de administração por parte deles.

Educação integral mal compreendida

O próprio termo Educação Integral nunca teve tanto destaque, inclusive na rede pública com a inauguração de uma série de escolas superequipadas. Mas, diferente do que a massa foi levada a pensar, não se resume apenas aos colégios com atividades nos dois turnos. Essa deturpação é, inclusive, mais um dos reflexos desse sistema de adestramento que se tornou a educação. O conceito é de Anísio Teixeira, inspirou nomes como Darcy Ribeiro, e visa desenvolver a singularidade de cada estudante, formá-los como sujeitos críticos e autônomos para a vida e a sociedade. Vai muito além das dinâmicas de ocupar o tempo dos estudantes e livrar os pais.

Supermed e o combo extra: ensino não incluso

Como se não bastasse a carga absurda de conteúdos em nome do vestibular, muitas escolas agora oferecem – ou melhor, vendem – cursos de extensão como o “Supermed”, voltado exclusivamente para quem quer medicina. O nome já diz tudo: é super mesmo, no preço e na exigência. De acordo com um levantamento feito pelo Jornal Metropole, matérias isoladas custam de R$180 a R$300 por mês. Isso mesmo. Em algumas instituições, além da mensalidade já salgada, os pais precisam desembolsar mais uma fatia considerável do orçamento para manter os filhos na esteira rolante do sucesso. Mas a pergunta que não quer calar é: se o ensino da sala de aula não está bastando, que tipo de formação estamos oferecendo?

Na contramão

Na contramão dessa lógica de massa, instituições independentes, mesmo com limitações orçamentárias quando comparado aos grandes conglomerados, tentam sobreviver com outras propostas. O Centro Educacional Nova Geração, em Periperi, por exemplo, aposta em outro modelo. Leandro Encarnação, diretor e coordenador pedagógico da escola, conta que a proposta é atender poucos alunos por sala. “Nosso pensamento é justamente formar um poder integral. A gente atende poucos alunos na sala, no máximo 12 por turma. É assim que conseguimos entender quem é aquele aluno, quais são suas dificuldades, sua origem, o que ele traz da educação anterior”. Enquanto isso, escolas, como a Nova Geração, resistem.