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Depois de medidas polêmicas sobre aborto e vacina, CFM volta a se envolver em pautas ideológicas
Com reconhecido perfil conservador, CFM proíbe terapias e cirurgias de gênero para pessoas trans menores de 18 anos
Foto: Divulgação/CFM
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 25 de abril de 2025
O Conselho Federal de Medicina (CFM) resolveu escrever mais um capítulo em sua já notória coleção de resoluções com viés ideológico escancarado. No fim de março, a entidade publicou uma norma que restringe o uso de bloqueadores hormonais para transição de gênero em crianças e adolescentes — exceto em caráter "experimental", e mesmo assim, sob um protocolo clínico tão rígido que beira o inviável. Como se não bastasse, a idade mínima para terapias hormonais e cirurgias de afirmação de gênero foi arbitrariamente elevada de 18 para 21 anos.
A justificativa oficial? “Proteger crianças de intervenções irreversíveis”. Uma frase de efeito que tenta esconder o cerne da decisão: a negação de um tratamento amplamente validado por diretrizes internacionais e sustentado por anos de evidência científica. A decisão do CFM ignorou até mesmo o protocolo da própria Sociedade Brasileira de Pediatria, que reconhece os bloqueadores hormonais como parte de um cuidado seguro, gradual e multidisciplinar.
Histórico ideológico
Esta está longe de ser a primeira vez que o CFM se envolve em temas que enveredam por discussões morais e ideológicas — como aborto, vacinação obrigatória e, agora, identidade de gênero. Apesar de se dizer técnico e negar motivação “política e ideológica”, o Conselho se mostra cada vez mais ocupado com normas que atuam em sintonia com um discurso conservador, que se entranhou na política nacional. Difícil acreditar em coincidência, quando a cúpula do CFM é composta por nomes com histórico de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na eleição para os novos representantes no ano passado, parlamentares da direita chegaram a investir em candidaturas. Nomes com histórico bolsonarista chegaram a ser eleitos. No Rio de Janeiro, o escolhido foi Raphael Câmara, defensor do Projeto de Lei contra o aborto e que chegou a afirmar que era "importante não permitir que quem apoia o PT entre no CFM". Em São Paulo, foi eleito o infectologista Francisco Cardoso, defensor da cloroquina e um dos participantes da chapa se apresentava como a única de direita.
Reação de todos os lados
Diante da decisão, entidades como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) recorreram ao Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Alegam que a medida do CFM afronta princípios constitucionais fundamentais, como o da dignidade humana, ao impor sofrimento e condições degradantes à existência de pessoas trans.
E, mesmo dentro do meio médico, a resolução provocou reações duras. Diversas sociedades médicas assinaram uma nota conjunta contra a medida, alertando: “Postergar a terapia hormonal, sem evidências que o justifiquem, pode acarretar danos emocionais e psiquiátricos”. O recado foi endossado por entidades renomadas como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a Sociedade Brasileira de Urologia, e federações de ginecologia e obstetrícia.
Cruzada moralista
O CFM, no entanto, segue em sua cruzada moralista, ignorando evidências científicas e minando a autonomia de profissionais da saúde. A medicina, aparentemente, virou coadjuvante em uma disputa ideológica travestida de zelo.
Para fechar com chave de ferro, o presidente da entidade, José Hiran da Silva Gallo (que em 2018 chegou a celebrar a eleição de Bolsonaro em um texto no site do Conselho) ainda fez questão de avisar: quem não obedecer à resolução poderá ser punido. Um aviso que soa menos como orientação e mais como ameaça — típica de quem acredita que ciência se resolve no grito e moral se impõe no bisturi.
Em nota ao Jornal Metropole, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) informa que não possui restrições quanto à Resolução do CFM, “que versa sobre a melhoria da assistência em saúde às pessoas com incongruência de gênero”, diz a nota.
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