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Virou esculhambação: Criado para emergências, modelo REDA sai da exceção e vira regra na administração pública
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Virou esculhambação: Criado para emergências, modelo REDA sai da exceção e vira regra na administração pública
Como o próprio nome sugere, o modelo de contratação REDA era para ser excepcional, mas acabou virando regra na administração pública estadual e municipal
Foto: GOVBA-Fernando Vivas
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 23 de janeiro de 2025
Cá entre nós, quando a exceção vira regra, nunca é por coincidência, inocência ou naturalidade das coisas. Na imensa maioria das vezes, é porque beneficia algum dos lados. No setor público, não há exceção mais consolidada do que o conhecido REDA, Regime Especial de Direito Administrativo.
Criado para atender a situações emergenciais de contratação de pessoal, o modelo ignora o “excepcional”, termo repetido 12 vezes na lei estadual que embasa o regime, e vira moda, praxe ou simplesmente regra nas contratações do setor público estadual e municipal.
E tome REDA
Esse ano, por exemplo, começou com a inscrição aberta para um concurso REDA. A prefeitura de Salvador vai contratar pelo regime especial 100 profissionais da educação, com vínculo inicial de dois anos e possibilidade de prorrogação por mais dois. A área é uma das mais afetadas nessa vulgarização do REDA, seja na administração municipal ou estadual.
Na rede municipal de ensino, por exemplo, o total de professores substitutos contratados por esse modelo especial equivale a mais de 30% do total de professores efetivos, selecionados via concurso público. Dados do Portal da Transparência, analisados pela reportagem, apontam que enquanto 6.060 professores efetivos e 610 coordenadores são concursados, outros 2.150 professores substitutos e 90 coordenadores pedagógicos são REDA.
Já na rede estadual, por problemas técnicos do Portal da Transparência, não foi possível levantar o quantitativo e, desde a última sexta-feira (17) até o fechamento desta matéria, a assessoria de comunicação não conseguiu computar as contratações. Mas a última auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 2020 apontou que 41,6% dos contratados na Secretaria de Educação da Bahia eram via REDA, cerca de 23 mil profissionais.
Emergência o tempo todo
O regime de contratação especial foi criado em 1992, durante o governo de Antônio Carlos Magalhães, como parte de uma lei que também reajustou o salário da época de servidores públicos do estado e instituiu o grupo ocupacional de comunicação social da administração do estado.
O texto era claro: “contratações para atender as necessidades temporárias de excepcional interesse público, no âmbito da Administração Direta e Indireta do Estado”. E isso só poderia acontecer se a gestão não tivesse pessoal para ser remanejado e em situações bem específicas. Combate a surtos epidêmicos; recenseamentos e pesquisas inadiáveis e imprescindíveis; calamidade pública; substituição de professor ou admissão de professor visitante; serviços cuja natureza ou transitoriedade justifiquem a pré-determinação do prazo; e outras situações de urgência, definidas em lei e mediante despacho devidamente fundamentado. Foram esses dois últimos tópicos que abriram brecha - ou melhor, a porteira.
Brechas e porteiras abertas
Dois anos depois, no governo tampão de Antonio Imbassahy, o regime foi remodelado na lei que instituiu o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da Bahia, das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais. No texto, ele ganhou finalmente o nome de REDA e, de brinde, outras possibilidades, com texto mais genérico, permitindo a contratação especial em outras situações, como “atender às funções públicas de interesse social, através de exercício supervisionado, na condição de treinandos de nível técnico ou superior”.
Com o passar do tempo, o regime foi sofrendo uma série de mudanças e regulamentações com novas leis e decretos, sempre abrindo mais brechas e, inclusive, aumentando o prazo de contrato. Se antes o máximo era dois anos de contratação, em 2019, no governo Rui Costa, passou para três anos, com possibilidade de renovação por mais três. E depois, ainda mais dois anos como renovação excepcional. Ou seja, o excepcional do excepcional, somando oito anos em um regime que era para ser emergencial.
A emergência é o cofre público
Na administração pública de Salvador, o REDA foi instituído em 2017 em um Projeto de Lei Complementar, que, apesar de aprovado, foi alvo da oposição. À época, a vereadora Marta Rodrigues chegou a ameaçar judicializar o caso, alegando que “enquanto a Constituição Federal estabelece que o REDA seja em caráter emergencial e temporário, além de impor que o número de contratados e as despesas geradas não ultrapassem 5%, o projeto do prefeito ACM Neto propõe a criação de cargos definitivos e com despesas acima dessa porcentagem”.
No anúncio do projeto, o prefeito informou que o regime, que era para ser especial, extraordinário e emergencial, traria uma economia de R$ 67,6 milhões aos cofres municipais - o que já sugere a real finalidade das contratações, que de excepcional não teriam nada.
Xarope de estímulo
Além da rapidez na contratação e da economia (já que os contratados via REDA não têm direito a uma série de benefícios dos concursados), os defensores da banalização do regime alegam ainda que o modelo é uma forma de estimular os profissionais, porque, na visão deles, o sujeito efetivado acaba se acomodando.
Mas o que esses defensores ignoram é que essa justificativa desvirtua o objetivo inicial do REDA. Os críticos dessa banalização citam como exemplo a Educação, cuja atividade não é temporária e depende de estabilidade para garantir a qualidade da formação da população.
O vínculo frágil do REDA permite que eles sejam desligados a qualquer momento, pondo em questão a valorização do corpo docente e a continuidade do trabalho educacional. Um desses críticos é o sindicalista Jailton Andrade, que já chegou a classificar, na Rádio Metropole, a contratação de pessoal por esse regime como sub-trabalho. “Só não é mais precário que o trabalho informal”, disse.
É pela flexibilização do vínculo e da forma de seleção (que pode ser com prova ou não), que cria-se uma atmosfera de medo entre os funcionários e abre-se espaço para o uso dessas vagas como ferramenta política. Não à toa, lembra Jailton Andrade, “que o REDA tem que ir com o secretário para a Lavagem do Bonfim, porque se não for, no outro dia não tem trampo”. Esse virou o mecanismo da exceção que agora é regra.
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