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Quando o legado vira ruínas: Fundação Dois de Julho enfrenta abandono
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Quando o legado vira ruínas: Fundação Dois de Julho enfrenta abandono
Com histórico de referência na educação baiana e formação de gerações, Fundação Dois de Julho completa três anos de portas fechadas, enfrentando processos trabalhistas e abandono
Foto: Metropress/Isabelle Corbacho
O que aconteceu com a Fundação Dois de Julho? A pergunta é frequente entre os que passam pela Avenida Leovigildo Filgueiras, no Garcia. O local histórico, que abriga o Colégio, Faculdade e o Palácio Conde dos Arcos, dá sinais do declínio de um lugar que já foi um marco na educação baiana. Hoje, o que resta é abandono e processos trabalhistas sem fim. Mais de 100 funcionários aguardam há 12 anos para receber seus direitos. Mas quem tem pressa? A Justiça, ao que parece, não.
O Dois de Julho vive na memória de muitos baianos. Não precisa nem ir muito longe. Só na Metropole, Mário Kertész e Nardele Gomes são ex-alunos. Além deles, políticos, figuras públicas, famosos e anônimos caminharam por aqueles corredores, deixando suas histórias entrelaçadas com a de uma instituição que um dia foi sinônimo de excelência e orgulho na educação. Fundado por uma missão presbiteriana dos Estados Unidos, o colégio, com turmas do primário, ginásio, ensino clássico e científico, foi um dos melhores do estado, com professores que educaram e formaram gerações.
HISTÓRIA EM RUÍNAS
O cenário na Avenida Leovigildo Filgueiras, número 81, hoje é diferente e passa longe da excelência de outrora. Vegetação tomando conta, paredes descascando e o silêncio do abandono. Nem mesmo a imponência do Palácio Conde dos Arcos, residência do último vice-rei do Brasil, é notada.
Construído em 1781, o imóvel é tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e faz parte do complexo da Fundação Dois de Julho. O palácio foi escolhido em 1927, pelo casal de missionários Irene e Peter Baker, enviados ao Brasil pela Missão Protestante dos Estados Unidos, para fortalecer o trabalho de evangelização no país. De frente para o Palácio, eles encontraram ali o local perfeito para originalmente o Colégio Americano, que mais tarde foi rebatizado em homenagem à independência da Bahia. Em 2000, a fundação ampliou seu legado com a criação da faculdade.
À procura de um comprador
Última faísca de vida da fundação, a faculdade fechou as portas em 2021. Desde então, o cenário só piora. Mesmo com ao menos nove tentativas de leilão dos patrimônios para cobrir as dívidas trabalhistas, nada se resolve. Recentemente, a instituição foi declarada insolvente, um termo que indica que ela não tem mais condições de pagar suas dívidas. Com isso, o processo foi transferido do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que já havia feito cálculos e preparado pagamentos, para o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
12 anos de espera
Para os professores que entraram com a ação coletiva, essa mudança de competência entre tribunais só prolonga o processo, e o maior medo é que o valor não chegue a todos. Segundo o professor e advogado Sebastião Neto, a mudança ocorreu após um grupo de 10 professores, que não fazia parte da ação coletiva, pedir a insolvência. “O Dois de Julho não funciona mais, as contas estão bloqueadas, e tudo está parado. A Justiça agora vai avaliar a hierarquia dos credores, organizando em grupos quem receberá primeiro. O problema é que, com isso, muitos podem ficar sem receber, o que seria diferente se o processo continuasse com o TRT, que já tinha feito todos os cálculos para pagar todos”, afirmou.
Em nota ao Jornal Metropole, o TRT informou que o imóvel do colégio foi penhorado e houve tentativas de vendê-lo judicialmente para quitar dívidas e permitir a continuidade das atividades. No entanto, as tentativas foram frustradas. Com o pedido de insolvência acolhido, a competência do caso foi transferida para a Justiça Estadual. Procurado, o Tribunal de Justiça da Bahia informou que o caso foi encaminhado ao 2º grau e aguarda inclusão na pauta da Terceira Câmara Cível. Enquanto isso, os trabalhadores esperam. Mais um exemplo de como a história parece se repetir como tantas outras em Salvador. Não é difícil lembrar de patrimônios que seguiram o mesmo roteiro: falência, decadência, processos intermináveis e abandono.
Um ciclo que, infelizmente, não se quebra. Com todas essas mudanças, leilões fracassados e incertezas, o professor Sebastião resume o sentimento atual como de “derrota”: “todo o esforço de 12 anos, negociações e conversas agora vão por água abaixo.” E o que será que vai acontecer primeiro? Os trabalhadores receberão o que lhes é devido ou os prédios finalmente sucumbirão ao abandono? A julgar pela lentidão da Justiça, a resposta é bem previsível.
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