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Renegado pelo país, abraçado pela Bahia: 2 de Julho leva multidão orgulhosa às ruas, mas passa batido na imprensa nacional

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Renegado pelo país, abraçado pela Bahia: 2 de Julho leva multidão orgulhosa às ruas, mas passa batido na imprensa nacional

Programação em Salvador contou com o povo e políticos nas ruas em homenagem à importante data

 Renegado pelo país, abraçado pela Bahia: 2 de Julho leva multidão orgulhosa às ruas, mas passa batido na imprensa nacional

Foto: Thuane Maria /GOVBA

Por: Laisa Gama e Mariana Bamberg no dia 04 de julho de 2024 às 09:15

Atualizado: no dia 04 de julho de 2024 às 09:21

Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 4 de julho de 2024
A última terça-feira (2) foi um daqueles dias em que o orgulho ter nascido em terras baianas anda estampado nas ruas e até mesmo o sol nasce brasileiro. Para um bom baiano, meia estrofe do hino já basta para entender que estamos falando do 2 de Julho, data magna do estado, que comemora o fim dos 17 meses de guerra pela Independência do Brasil na Bahia. Neste ano, o dia foi marcado por um cortejo abarrotado de gente, políticos disputando holofotes em um ano eleitoral e a imprensa nacional se fazendo de desentendida e direcionando pouca repercussão diante da importância do dia para a história do Brasil. 

Quem imaginava ou praguejava que, ao longo dos anos, as celebrações do 2 de Julho seriam cada vez mais esvaziadas, acabou bem enganado. Uma multidão foi às ruas acompanhar os desfiles dos carros com os personagens do Caboclo e da Cabocla, símbolos da luta popular contra os portugueses. Aqueles que costumam participar dos festejos garantem que o aperto e o empurra-empurra foram bem mais acalorados do que o normal. É verdade que boa parte disso tem ligação direta com o momento que vivemos: um ano eleitoral e menos de 100 dias para a disputa pela prefeitura de Salvador. 

Mas  a festa, principalmente a programação da manhã com o hasteamento das bandeiras e o cortejo, sempre teve um forte apelo político, candidatos, pré-candidatos e gestores públicos sempre marcaram presença disputando as atenções até com o caboclo e a cabocla, protagonistas da festa. É por isso que não faltam casos, como em 2009, quando o então prefeito João Henrique foi cercado e xingado por servidores municipais em greve armados com ovos ou quando o na época governador ACM insistiu em passar com seu grupo na frente da tropa da prefeita Lídice da Mata, que ouviu uma sorte de impropérios e ameaças mas segurou o lugar. Desta vez, pelo menos publicamente, não houve esse tipo de acirramento. Durante o cortejo, o sol brasileiro parecia brilhar para todos que estavam lá com seus com seus cordões de puxa saco e cabos eleitorais.

Sangue, Festa e Povo

No meio de tudo isso, a população fazia uma festa. Teve gente vestida da freirinha Joana Angélica, da marisqueira guerreira Maria Felipa, com camisas estampando frases de orgulho pela Bahia e carregando pelos 5 km do Largo da Lapinha até a Praça do Campo Grande cartazes e placas de protesto: conta PEC das drogas, repudiando o PL do Estupro, categorias reivindicando melhorias trabalhista e uma série de manifestações, na mais pura essencia do 2 de Julho.

Enquanto tudo isso acontecia em Salvador, a imprensa nacional emudecia-se. Falava sobre a alta do dólar, a seleção brasileira e as eleições norte-americanas. Mesmo com a presença (pela terceira vez consecutiva) do presidente Lula nas celebrações. Nada muito sob o sol que costuma brilhar mais do que no dia primeiro.

A narrativa de que a verdadeira independência do Brasil aconteceu no eixo sudeste, pelas mãos de um príncipe, parece ter prevalecido. Ainda é o 7 de Setembro a data reverenciada no país, o feriado nacional, o dia homenageado em museus espalhados pelo país e em uma avenida em cada capital. Mas a verdade é que nele não houve nem independência nem morte, muito menos luta e sangue. Após o grito de Dom Pedro I no riacho do Ipiranga, os portugueses ainda permaneciam no Brasil e se fortaleciam para atacar novamente o Rio de Janeiro. Foi a Bahia que os expulsou definitivamente no 2 de Julho. Muito mais que a Independência da Bahia, a data marca o dia em que o Brasil se tornou finalmente, de fato, independente dos portugueses. Foi em reverência a essa conquista que na terça-feira o povo partiu do Largo da Lapinha em direção ao Terreiro de Jesus, relembrando a passagem em que o exército que libertou a Bahia teria feito nessa data.

Narrativa roubada

Além do preconceito contra tudo que não é do Sul e Sudeste, historiadores acreditam que o fortalecimento do 7 de Setembro como data decisiva na história do país foi justamente para manter o poder junto às elites e legitimar o Império Brasileiro, através de uma independência conquistada por um príncipe. Trazer o protagonismo dessa luta para anônimos, escravos e sertanejos que foram à luta sem nenhum glamour monárquico não seria tão conveniente. Toda essa distorção da história e apagamento do valor real do 2 de Julho têm reflexo na nossa história mais recente.

Não foi à toa que em maio de 1998, no plenário da Câmara dos Deputados, foi decidido, com confirmação posterior no Senado Federal, que o então Aeroporto 2 de Julho, em Salvador, mudaria de nome. Tornou- -se então Aeroporto Deputado Luís Eduardo Magalhães, um parlamentar querido na Casa, que havia falecido há pouco tempo. Não é à toa também que apenas em 2018, 196 anos depois da guerra pela independência, personagens como João das Botas, Maria Felipa, Joana Angélica e Maria Quitéria finalmente entraram no Livro dos Heróis da Pátria. Também não foi à toa que apenas no bicentenário da data Salvador ganhou um Memorial em homenagem. E que ainda hoje a imprensa nacional não tenha dado a devida importância à celebração.