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A arte da traição: história mostra que deslealdade entre Criador e criatura marca a política baiana

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A arte da traição: história mostra que deslealdade entre Criador e criatura marca a política baiana

Jornal Metropole abre baú da história política baiana para mostrar casos de personagens quase umbilicalmente ligados que entraram em cisão

A arte da traição: história mostra que deslealdade entre Criador e criatura marca a política baiana

Foto: Sidney Falcão - Metropress

Por: Rodrigo Daniel Silva no dia 02 de março de 2023 às 13:29

Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 2 de março de 2023

Há uma expressão popular que diz: desde que o mundo é mundo, sempre foi assim. E com a traição não é diferente. Desde que se criou os céus e a terra, Criador e criatura têm uma relação íntima com a deslealdade. Adão e Eva, Caim e Abel, Judas e Jesus... “Até tu, Brutus, meu filho?”, perguntaria o traído imperador romano Júlio César. O tempo passa e sempre surgem situações de criadores apunhalados pelas criaturas. É só abrirmos o baú da história política baiana para encontrarmos casos de personagens quase umbilicalmente ligados que entraram em cisão.

Na década de 1970, houve um dos rompimentos políticos mais conhecidos do estado. Antonio Carlos Magalhães entrou em rota de colisão com Juracy Magalhães, a quem, certa vez, admitiu ter sido a pessoa mais importante na sua vida política. Tempos depois, ACM relataria que a discordância entre eles começou após o então presidente Castelo Branco escolher ele para ser prefeito de Salvador e, para governador, Luiz Viana, que Juracy detestava. 

O estopim da briga, entretanto, foi quando ACM defendeu instalar o polo petroquímico em Camaçari e seu padrinho se posicionou contrário. Na época, segundo a versão de Antonio Carlos, Juracy era ligado à Petroquímica União, que era contra construir o polo no estado. “Antonio Carlos achou que brigar comigo era impedir que eu ainda continuasse exercendo de qualquer forma uma liderança política. Ele me atacou por conveniência”, disse Juracy, mais tarde.

Beijo de Judas

Mas se um dia Antonio Carlos deu o “beijo de Judas”, ele receberia o mesmo posteriormente. Depois de eleger João Durval como seu sucessor no governo da Bahia em 1982, contra o seu maior adversário político, Roberto Santos, ACM veria o seu apadrinhado se afastar. “João Durval, quando assumiu o governo, se distanciou de Antonio Carlos Magalhães e tiveram muitos atritos, mas ficaram abafados”, relembrou o historiador e comentarista da Rádio Metropole, Vinicius Jacob.

O “criador” Mário Kertész também seria traído pela “cria”. Prefeito de Salvador, MK fez no final da década de 1980 o inexpressivo radialista Fernando José seu sucessor. Picado pela mosca azul, Fernando José rompeu com seu padrinho. “A cidade toda ficou em estado de choque com essa traição. A péssima gestão de Fernando José comprometeu até a imagem de Mário Kertész”, recordou o historiador.

Apunhalada

Descendo alguns degraus na história, encontramos mais casos de traições na política baiana. Em meados de 1950, Régis Pacheco, que chegou ao governo da Bahia com o apoio do todo-poderoso empresário Simões Filho, daria uma apunhalada pelas costas no homem que antes havia bancado sua candidatura a governador. Na sucessão, em 1954, Régis Pacheco decidiu apoiar o intelectual Pedro Calmon, contrariando seu aliado. Mas acabou derrotado nas urnas, pois seu indicado perdeu para Antonio Balbino naquela eleição.

Estremecimento

O caso mais recente em que Criador e criatura entraram em conflito foi por causa de uma indicação ao Tribunal de Contas dos Municípios. A relação de mais de 40 anos entre Jaques Wagner e Rui Costa, ambos do PT, se estremeceu após o ministro da Casa Civil articular para a esposa Aline Peixoto ser a nova conselheira do TCM. Liderança política que pôs fim ao domínio de quatro décadas do ex-senador Antonio Carlos Magalhães na Bahia, o senador petista deixou claro ser contra a posição de Rui Costa, por entender que vai de encontro ao que sempre defendeu.

Dívida política

Wagner e o PT chegaram ao governo da Bahia com críticas ao carlismo por usar a máquina pública para benefícios pessoais. “Eu só defendi um conceito. Não quero ficar parecendo que estou contra uma pessoa. Só defendi um procedimento”, justificou. A declaração do senador tornou pública uma divergência entre ele e seu apadrinhado.

Para tirar a poeira da memória, vale lembrar que os caminhos políticos de Rui Costa foram abertos por Jaques Wagner. Com apoio dele, foi alçado de suplente de vereador, a deputado federal, secretário, governador da Bahia e hoje ministro da Casa Civil. Mas, agora, o laço político do Criador e da criatura está desgastado.

Para Vinicius Jacob, a traição é o ingrediente mais importante na política partidária. “Se não tivesse a traição, não teria graça política. Mas os verdadeiros motivos da traição ninguém vai saber, porque não vai entrar nos livros de história nem estará nos documentos oficiais”, disse o historiador.