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Maioria da população, pessoas negras são 14% dos personagens de novelas brasileiras
Apenas em 1996, em 45 anos de teledramaturgia brasileira, a TV teve sua primeira protagonista negra: a Xica da Silva, interpretada por Taís Araújo em novela homônima da TV Manchete
Foto: Reprodução/ TV Manchete
Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 17 de novembro de 2022
120 milhões de brasileiros são negros - se entendem como pessoas pretas ou pardas. O número equivale a 56% da população, de acordo com projeção do IBGE realizada em 2021. Apesar de não ser a pele alva que predomina entre os habitantes do Brasil, é essa a cor que costuma ser usada para representá-los na maioria das novelas produzidas aqui. 92% dos personagens das tramas que ganharam as telas das televisões do país entre 1984 e 2014 foram brancos, segundo pesquisa conduzida por grupo de estudos da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ).
Durante o primeiro semestre de 2022, dos 124 personagens principais e secundários presentes nas telenovelas inéditas da Rede Globo e da RecordTV, principais emissoras com produção de teledramaturgia do país, só 14% eram negros, de acordo com levantamento feito pela revista Veja. ‘Além da Ilusão’ e ‘Quanto Mais Vida Melhor’, da Globo, tiveram os melhores números, com oito atores negros em seu elenco cada (o número total de personagens era de 44 e 47, respectivamente). Já ‘Pantanal’, também da Globo, e ‘Reis’, da Record, contavam só com uma pessoa não-branca entre todos os atores escalados.
Ainda que sejam pequenos e estejam muito longe de corresponder à realidade brasileira, esses números já foram menores - ou até mesmo inexistentes. Foi só em 1996, em 45 anos de teledramaturgia brasileira, que a TV teve sua primeira protagonista negra: a Xica da Silva, interpretada por Taís Araújo em novela homônima da TV Manchete.
Embora pareça ilógico, essa não foi a primeira vez que um personagem negro assumiu protagonismo em novelas. ‘A Cabana de Pai Tomás’, de 1969, que contava a história do escravo norte-americano Tomás, trouxe o primeiro personagem principal negro. No entanto, ele era interpretado por um homem branco. Para dar vida ao escravo Tomás, o ator Sérgio Cardoso pintava o corpo com carvão de cortiça e fazia uso de uma mistura de cabelo com palha de aço. Ele também usava rolhas no nariz para alargá-lo e estereotipar ainda mais seus traços.
A obra também marca a estreia de Ruth de Souza em novelas. Considerada hoje uma das grandes damas da dramaturgia brasileira, ela era a parceira do personagem principal e o acompanhava em boa parte da trama. Mas ainda assim seu papel era deixado em posição secundária.
Representatividade importa?
Para quem se vê cotidianamente retratado e tem suas vivências contadas e legitimadas, buscar por mais representatividade pode parecer besteira. Mas não é. Dados mostram como as narrativas impactam na maneira de se entender e entender o outro na sociedade.
Nove em cada 10 pessoas concordam que a representatividade na televisão e nos filmes influencia a percepção que temos de determinados grupos, segundo pesquisa realizada pela Paramount Global em 15 países, incluindo o Brasil. Para 58% dos brasileiros, a falta de representação não tem só a ver com a ausência total de pessoas como elas na tela, mas se relaciona também a retratos imprecisos ou estereotipados.
O levantamento ainda indica que 23% das pessoas negras brasileiras sentem que são retratadas como criminosas e 24% como perigosas. O número é maior que a média global para pessoas negras, respectivamente, de 18% e 16%.
A má representatividade tem seus efeitos. 41% dos entrevistados para o estudo informaram ter sua autoestima e confiança impactadas por não se verem nos filmes, novelas e séries que consomem e 60% declarou que isso os faz se sentirem sem importância, ignorados ou decepcionados.
Sem romantizar a presença da novela no imaginário do país, mas também sem reduzi-la apenas a alienante, é preciso reconhecer seu potencial de trazer à tona temas e discussões que ajudam a moldar ideias. Talvez, era por ter isso em mente que Ruth de Souza afirmava em entrevistas recusar papéis tolos. Ela se preocupava que suas personagens não fossem planas e soubessem pensar. Era uma forma de fugir da dinâmica a que mulheres negras são submetidas na teledramaturgia. Era sua maneira de garantir que quem a assistia e fosse parecido com ela não duvidasse que também deveria ocupar espaços.
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