Cultura
Forrozeiros da Bahia enfrentam desafios financeiros e “apagamento imposto” fora do período junino
Os forrozeiros Adelmário Coelho, Nety Silva e Silvado do Acordeon relataram ao Metro1 a luta travada para que o arrasta-pé seja lembrado além das festas juninas
Foto: Fernando Vivas/GOVBA
Entre os meses de junho e julho é difícil encontrar diferenças nas ruas das cidades nordestinas, todas devidamente enfeitadas para o período junino. Com bandeirolas, fogueiras e xadrez, um só ritmo ecoa e embala toda a celebração: o forró. Mas depois que as homenagens aos santos se findam, para onde vai a união da zabumba, sanfona e triângulo que faz todo mundo dançar coladinho?
Diferente de outros estilos musicais consumidos ao longo do ano, o forró ainda enfrenta o pesadelo da sazonalidade. Surgido no Nordeste, o compasso é dificilmente encontrado nos mega eventos realizados ao longo dos 365 dias que movimentam as cidades brasileiras. Ao Metro1, o cantor e compositor Adelmário Coelho disse que a tentativa de que o forró ocupe mais espaço se trata de “uma luta de classes”.
“A riqueza do forró é tão grande que nenhum forrozeiro se contenta que ela aconteça somente no mês de junho. Eu apelo sempre aos gestores, que são os responsáveis, que essa reparação está na mão deles”, afirmou.
Receio da supressão
Nos últimos anos, o forró passou a enfrentar outro desafio, que é competir no São João com diversos outros ritmos, com destaque para o sertanejo. O medo então é de que o ritmo seja suprimido. Ao Metro1 em junho, a presidente da Associação Cultural dos Forrozeiros da Bahia (Asa Branca), Marizete Silva do Nascimento, disse que enxerga o investimento de recursos em outros ritmos com muita “indignidade e aborrecimento”. Ela pediu respeito pelas tradições e culturas nordestinas.
Um projeto de lei, que tramita na Câmara dos Deputados, quer estabelecer um percentual que deve ser empregado para a contratação de artistas e conjuntos musicais que representam a cultura popular do forró nas festas juninas. “Quando você entra num palco que entrou ou vai entrar um sertanejo, até o espaço físico é conflitante. Nós somos esmagados por essa força, aquela coisa grandiosa que está capitalizada. A lei vai dar um norte. Lamento que precise ter lei para isso, sonho com a construção da consciência de cultura e brasilidade”, afirmou Adelmário Coelho.
Valores irrisórios
O cantor baiano ainda avaliou que a proliferação do forró nos fones, streamings e festas concederia espaço para artistas que vivem no anonimato e não conseguem avançar. “Para quem já tem uma estrada consolidada, você consegue deixar um registro do seu trabalho com maior plenitude. Eu queria que todos tocassem o ano todo, que houvesse essa oferta para todas as pessoas”, afirmou.
Nety Silva e Silvado Santos - mais conhecidos como Nety do Forró e Silvado do Acordeon - vivem o problema. Ambos com mais de 30 anos de carreira não sabem como é realizar apresentações em eventos com públicos mais significativos. Ao Metro1, Silvado revelou que os cachês chegam a no máximo R$ 1 mil para ser dividido entre três a quatro pessoas. “Não há agenda, a gente toca através de indicação de amigos, colegas que a empresa faz festas. Os outros músicos recebem cachês imensos, enquanto nós cobramos valores irrisórios e mesmo assim não achamos oportunidade. O cachê hoje de um trio é entre R$ 800 e R$ 1 mi”, revelou.
Com o pouco que ganha da música, o artista relatou que nem mesmo a conservação do acordeão consegue ser custeada com os cachês. “Não consigo manter minha família, nem me manter, ou melhor, nem dar manutenção no instrumento. Não tem condições. A gente passa muito tempo sem tocar, sobreviver do forró não tem condições. É muito complicado”, pontuou.
Em Tanquinho, no interior da Bahia, Nety tenta levar sua música enquanto luta contra o apagamento imposto ao forró tradicional. “Para poder seguir a carreira são muitas dificuldades, são muitos contratempos. Essa palavra ‘demanda’ não existe na agenda dos artistas que não estão na mídia. As bandas de pequeno porte precisam sobreviver e não têm espaço. Estão banindo o nosso forró. Quando passa o São João, a gente não tem onde tocar, porque não temos mais espaço. O forró é o ano todo, precisa ser o ano todo”, desabafou.
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