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Quinta-feira, 28 de novembro de 2024

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Marcelo Kertész: O futuro não precisa mais de você, nem de mim

Marcelo Kertész: O futuro não precisa mais de você, nem de mim

É o super-capitalismo (ou uber-capitalismo, como dizia Bernie Sanders, senador e candidato à presidência aqui nos Estados Unidos), acelerado pela tecnologia e mostrando suas garras mais selvagens

Marcelo Kertész: O futuro não precisa mais de você, nem de mim

Foto: Metropress

Por: Marcelo Kertész no dia 28 de novembro de 2024 às 09:28

Fui dar um passeio no futuro e não sei se gostei do que vi.

A cidade de San Francisco, no norte da Califórnia, é uma espécie de laboratório de testes das mais novas tecnologias. Como fica ali, bem ao lado do famoso Vale do Silíicio, muitas das inovações que chegarão ao mundo, chegam primeiro ali.

E o que foi que eu vi? Que o futuro não precisa mais de você. Parece exagero? Talvez.

Primeiro, a gente foi num café onde robôs preparavam e serviam drinks complexos com precisão impecável. Depois, entrei num táxi da Waymo – sem motorista. Assustador no início, mas sem estresse (nem a simpatia) do motorista, e com a privacidade de poder conversar sobre tudo e de escolher minhas músicas. Parece perfeito, não é?

Mas ao pegar um táxi ‘dirigido por um humano’ (logo mais essa frase vai representar uma excentricidade), não pude parar de pensar na humilhação que deveria ser, para aquele profissional, se ver substituído assim, tão ostensivamente e tão às claras. Fora o fato de que os turistas da cidade todos tiravam fotos daqueles táxis-celebridade que inundavam as ruas com seus carros sem motoristas.

Ao mesmo tempo, percebia as ruas da cidade lotadas de pessoas sem teto e lojas fechando suas portas. Coincidência? Ou o preço da nossa insensata e incessante busca por conveniência?

Ao conversar com um motorista de Uber da cidade, um pouco mais tarde, minha depressão se aprofundou. Ele me disse, sem precisar muitas perguntas, que depois da chegada dos táxis-robôs, o faturamento dele havia caído 80%. Ao me deixar no aeroporto ao final de um domingo, ele me conta que tipicamente, num dia como aquele, já deveria ter faturado 250 dólares. E agora, na era pós-Waymo, tinha apenas 45 dólares no bolso.

Com uma família para alimentar e o próprio Uber, segundo ele, ficando com mais de 60% do seu faturamento, ele parecia derrotado. Não sabia bem quanto tempo mais iria aguentar.

É o super-capitalismo (ou uber-capitalismo, como dizia Bernie Sanders, senador e candidato à presidência aqui nos Estados Unidos), acelerado pela tecnologia e mostrando suas garras mais selvagens.

Se os aplicativos como Uber vieram roubar uma boa parte do faturamento dos taxistas para mandar para os seus investidores de Wall Street, o Waymo agora ignora completamente o motorista — sem pestanejar em deixar milhares de pessoas sem emprego. Consegue a façanha de fazer o modelo de ‘motorista-de-aplicativo’ parecer até mais humano e equilibrado.

Se San Francisco é um laboratório do futuro, é também um reflexo dos nossos tempos e dos tempos que virão logo mais, ao dobrar a esquina de alguns dias, meses ou poucos anos.

É. O táxi-robô, é confortável. Dirige bem, não entra em briga de trânsito, não puxa conversa inconveniente, nem cheira a cigarro ou perfume de mau gosto. Mas é frio e implacável em concentrar ainda mais riqueza nas mãos de uns poucos bilionários, sem ter vergonha nem pudor de estar roubando (será que é daí que vem o nome ‘robô’?) o sustento de quem já tinha bem pouco.

Não acho que o progresso tecnológico é algo que se possa frear, mas também não consigo ignorar o fato de que em nome da busca por eficiência e conveniência, o que de fato estamos fazendo é aumentar ainda mais o abismo abissal entre os ricos e os pobres. Criando, sem pensar, novos problemas que afetam a todos e são difíceis de ignorar.

As ruas de San Francisco estão cheias de novas tecnologias. Mas também mais pobres, mais violentas, mais sujas e mais tristes.

A inventividade do ser humano é fantástica. Mas a individualidade não está permitindo que a gente use a nossa criatividade pra criar uma vida melhor para todos.
Enquanto os robôs fazem arte, música e escrevem, os humanos são com certeza os mais competentes em ficar na rua, com uma caneca na mão pedindo uma esmola.

Reclamações? Fale com meu robô.