Brasil
Mortes por arma de fogo na Lemos de Brito expõe problemas do sistema prisional baiano
Briga entre facções criminosas resultou na morte de cinco detentos e 38 feridos na Lemos Brito; rebelião expõe fragilidades no sistema carcerário da Bahia
Foto: Divulgação SSP
Texto originalmente publicado no Jornal da Metropole em 24 de fevereiro de 2022
A disputa pelo controle do módulo 2 da Penitenciária Lemos Brito (PLB), que ter-minou com cinco presos mortos e outros 38 feridos, expôs as falhas de segurança do Complexo Penitenciário da Mata Escura. Membros de uma facção tiveram acesso a uma pistola .40 e executaram os rivais a ti-ros no último domingo.
Com medo de morrer, vários internos tentaram fugir, mas foram impedidos pe-los únicos três policiais penais que cuida-vam da segurança no momento da rebe-lião. Lá, estavam custodiados 355 internos distribuídos em 64 celas.
A unidade estava com 99 presos a mais do que a capacidade permitida e 67 agentes penitenciários a menos do que recomenda o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). O cálculo é um agen-te penitenciário para cada cinco detentos.
Autoridades que estiveram na PLB após o conflito classificaram o episódio como uma tragédia. “É inadmissível que entre uma arma de fogo e promova um cenário de guerra como esse. Tinha muito preso que não tinha nada a ver com esse conflito de facções e saiu ferido”, afirma a defenso-ra pública Fabíola Pacheco, membro da co-ordenação da Especializada Criminal e de Execução Penal da Defensoria Pública do Estado (DPE).
A arma de fogo, facas e facões foram encontrados após revista realizada pela PM no próprio domingo. A ação foi tratado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) e pela Secretaria de Administração Peni-tenciária e Ressocialização (Seap) como uma briga causada pela rivalidade entre os grupos de detentos.
Presos e funcionários já prestaram de-poimento e a autoria e motivação estão sendo apuradas.
FISSURAS
Para o presidente do Sindicato dos Ser-vidores da Polícia Penal do Estado da Bahia (Sinspeb), Reivon Pimentel, a pistola foi introduzida por fissuras existentes na pa-rede da prisão. “A Lemos Brito tem mais de 70 anos e não foram feitas reformas nesse período. Acredito que a arma foi colocada por uma dessas fissuras. O indivíduo vem pela mata, introduz e depois foge, como já ocorreu outras vezes”, afirma.
O Complexo Penitenciário da Mata Es-cura, onde está situada a PLB e outras seis unidades prisionais, não é cercado por muros. Algumas unidades possuem câme-ras de monitoramento — o que não é o caso da Lemos Brito. Há guaritas onde policiais militares do Batalhão de Polícia de Guardas (BPGD) realizam a vigilância da área exter-na. Do portão da cadeia para dentro, os po-liciais penais cuidam da segurança.
De acordo com o comandante do BPGD, tenente coronel Flávio Farias, o mó-dulo 2 da PLB fica voltado para um mata-gal e nem sempre é possível visualizar a movimentação externa. Após o conflito de domingo, o policiamento foi reforçado nos arredores do complexo prisional. “As viaturas estão fazendo rondas em torno do complexo, com utilização do Batalhão de Choque. Desde segunda-feira o clima é de tranquilidade”, conta o oficial.
Para Fabíola Pacheco, o que mais in-fluenciou para o resultado trágico do con-flito foi a falha na segurança do complexo penitenciário.
“Ter uma pistola .40 é inaceitável. Nun-ca vi isso aqui na Bahia. Em 2015 houve uma briga de facções com nove mortes no Conjunto Penal de Feira de Santana, mas foi feita com facas, o que já é grave”, lembra. A defensora diz ser inconcebível a existência de um complexo penitenciário sem muros. “Em 15 anos que trabalho lá, já ocorreram algumas fugas às 15h. Por ve-zes, já vi presos correndo e ninguém con-seguir pegar”, recorda.
A coordenadora da Especializada Cri-minal e de Execução Penal da DPE diz ser necessário investir na qualidade da pena, para diminuir o poder das facções dentro das prisões e barrar a comunicação com o mundo externo. “Infelizmente, o modelo no Brasil e na Bahia é de amontoar gente nas cadeias. Os presos acabam se asso-ciando buscando a própria segurança lá dentro e as facções vão ganhando poder. Os telefones são realidade dentro da ca-deia, o que permite a comunicação com o mundo externo”, relata.
BAIXO EFETIVO
Para Reivon Pimentel, a solução do pro-blema de segurança nas cadeias do Estado passa pela contratação de mais policiais penais e o cumprimento da Emenda Cons-titucional 104/2019, que transformou os agentes penitenciários em policiais penais.
Com a mudança, a segurança dos es-tabelecimentos penais e escolta de presos ficam a cargo da Polícia Penal, liberando a PM e a Polícia Civil dessas atividades. “Com a contratação de mais servidores e cum-prindo o que diz a Constituição, podería-mos fazer a vigilância perimetral, ocupa-ção das guaritas e passarelas das unidades. A PM não tem efetivo para isso. Todas as guaritas do complexo foram abandonadas e isso fragiliza o perímetro”, afirma.
De acordo o Sinspeb, atualmente são cerca de mil policiais penais para cuidar de 26 estabelecimentos prisionais no Estado. Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocia-lização (Seap), a população carcerária é de 12.732. São 637 presos a mais do que o total de vagas. Caso a recomendação do CNPCP fosse cumprida, deveria haver 2.546 poli-ciais penais na Bahia.
Cogestão - Em nove dos 26 estabelecimentos penitenciários, a administração é feita pela iniciativa privada. O estado cuida apenas do aspecto jurídico do preso, relativo ao cumprimento da pena. Este modelo é conhecido como cogestão. Para o Sins-peb e a DPE, a presença da iniciativa pri-vada não garante a eficiência.
“As unidades de cogestão têm tecno-logia de ponta em Eunápolis e mesmo assim ocorrem problemas. Os terceiri-zados ganham um quarto do que ganha o agente penitenciário. No presídio de Eunápolis, por exemplo, foi pego um terceirizado que estava colocando ilíci-tos dentro da prisão. O cara veio do Rio para servir a um traficante carioca que estava preso lá”, conta Reivon Pimentel.
Fabíola Pacheco acredita que o com-prometimento de um agente peniten-ciário concursado é maior do que um monitor de ressocialização com víncu-lo trabalhista. “Segurança é atividade fim e não deveria ser terceirizada. Não tem como ter agentes educadores, pes-soas com vínculo trabalhista, sem es-tabilidade. Talvez não tenha o mesmo comprometimento e segurança que o agente penitenciário tem. Se o servidor cometer uma atividade ilícita, pode ter muito mais a perder do que um agente educador”, explica.
Raiz do problema - O pesquisador do Laboratório de Es-tudos sobre Crime e Sociedade (Lassos) da Ufba, Luiz Lourenço, chama atenção para a raiz do problema. É necessário, conforme o pesquisador, pensar na política do desencarceramento e na des-criminalização das drogas.
“A maioria dos internos foram pre-sos por tráfico de drogas e pequenos roubos. Quando essas pessoas entram nas prisões, elas são cooptadas pelos grupos criminosos, acostumados a aliciar pessoas para o funcionamen-to de suas estruturas. Quanto mais se prende, mais se fortalece esses gru-pos”, explica. “E eles se fortalecem pela precariedade do sistema, tudo vira moeda de troca dentro da cadeia”, completa.
Procurada pelo Jornal da Metropole, a Seap não respondeu às críticas dos entrevistados sobre as falhas de segurança e o baixo efetivo de poli-ciais penais.
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