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A vez dos chineses: BYD confirma instalação na Bahia e deixa para trás lembrança da Ford

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A vez dos chineses: BYD confirma instalação na Bahia e deixa para trás lembrança da Ford

O governador baiano anunciou a instalação da gigante chinesa na planta fabril que foi ocupada pela Ford após uma intensa disputa fiscal e pressão política no final dos anos 1990

A vez dos chineses: BYD confirma instalação na Bahia e deixa para trás lembrança da Ford

Foto: Reprodução/Jornal Metropole

Por: Bélit Loiane e Mariana Bamberg no dia 06 de julho de 2023 às 09:41

Atualizado: no dia 06 de julho de 2023 às 09:59

Reportagem publicada originalmente no Jornal Metropole em 6 de julho de 2023

Esta história começa com uma disputa fiscal entre estados e um convite ousado, reflexo do jeitinho irreverente dos baianos. Isso deixa tudo mais divertido, pelo menos, até estacionar no cenário que, até aqui, parecia ser o destino final. A fábrica da Ford chegou à Bahia em 2001, representando grandiosidade. Eram 4,7 milhões de metros quadrados em uma estrutura suficiente para produzir 300 mil carros por ano. A expressividade do espaço era compatível com a econômica. Cerca de 8 mil empregos diretos e pelo menos R$20 milhões só em salário circulando mensalmente na economia local. Sua saída representou um desastre para a indústria baiana. Mas a história toma agora outra rota: a montadora norte-americana vai ser substituída por uma chinesa, a BYD, que já apresentou nesta semana seu calendário de instalação e seus veículos elétricos. 

Próxima parada: BYD

A gigante chinesa não é uma desconhecida para os baianos. Ela é a responsável pelo projeto do VLT do Subúrbio, em Salvador. A negociação para a instalação de uma fábrica na Bahia começou a dar as caras em meados de 2022, quando as duas partes chegaram a assinar um protocolo de intenções. Seis meses depois, o presidente Lula e o governador Jerônimo Rodrigues, ambos do PT, visitaram a sede da empresa na China. O acordo, contudo, só foi fechado mesmo na última semana. Para viabilizar o empreendimento, o governo estadual garantiu a concessão de incentivos fiscais até 2032 e se comprometeu a adquirir veículos da empresa para a frota de viaturas e ambulâncias.

Apesar de ainda estarem travados os trâmites para que a BYD compre da Ford a planta fabril, os números do projeto chinês também já são expressivos: com um investimento de R$3 bilhões, a empresa deve começar sua produção já em 2024, gerando 5 mil empregos diretos e indiretos nas três células que serão instaladas. Aqui, a montadora vai produzir chassis de ônibus, caminhões elétricos, veículos de passeio elétricos e híbridos, além do processamento de lítio, ferro e fosfato. O carro mais barato será Dolphin, que custa R$ 149.800, bem mais caro do que o popular Ford Ka, que já foi produzido em Camaçari.

A economista e professora universitária Lúcia Aquino não tem dúvidas de que o governo precisará também bancar outras estruturas para incentivar o mercado de veículos elétricos, como por exemplo, a instalação de postes para abastecimento dos carros. Mas ela enxerga isso como algo positivo, já que, mais cedo ou mais tarde, precisaria ser feito. 

“Atrair uma empresa como a Ford ou a BYD é fundamental para a economia baiana porque possibilita a diversidade e o crescimento de uma série de atividades: empresas de estofados, autopeças, plásticos e tudo que está encadeado àquela produção. Isso significa mais emprego em um cenário que vimos, por exemplo, Salvador como a capital com maior perda populacional. Desse dado, podemos levantar que há escassez de emprego. Tem uma mão de obra qualificada migrando para o Canadá, Austrália”, explicou ao Jornal Metropole

Apesar disso, a preocupação da especialista é não ficar apenas na geração de emprego. Para ela, é preciso haver um compromisso de permanecer no estado e fazer com que sua tecnologia e conhecimento cheguem ao mercado de mão de obra baiano. Prioridades que, de acordo com ela, não foram cumpridas no caso da Ford. 

 

Foto: GOV/Feijão Almeida

 

De olho no retrovisor

A chegada da montadora norte-americana no estado começou com uma disputa pública entre Bahia e Rio Grande do Sul. A planta da Ford instalada há quase 20 anos em Camaçari inicialmente tinha como destino terras sulistas. Por sorte ou - como diria o marketing do governo baiano da época - falta de compromisso dos gaúchos, o projeto foi suspenso no ano de 1999, quando o então governador Olívio Dutra (PT-RS) passou a questionar os acordos firmados com a empresa.  Até então, estava previsto o repasse de R$ 418 milhões à montadora, destinados para capital de giro, obras de infraestrutura, além da concessão de incentivos fiscais. O governador gaúcho considerava as condições lesivas para os cofres públicos.

Mas como já diria um bom baiano: “se tu não quer, tem quem queira”. O Executivo baiano passou a marcha de velocidade e partiu com tudo para cima da oportunidade. Em entrevista à Rádio Metropole em 2021 - quando foi anunciada a saída da montadora -, o ex-governador César Borges (na época PFL) relembrou que, durante sua gestão, foi encorajado por Fernando Barros e Fernando Vita, ambos da comunicação do governo, a alfinetar o Rio Grande do Sul com um anúncio na imprensa. A intenção naquele momento, segundo o ex-gestor, não era atrair especificamente a Ford, mas destacar o estado para a vinda, por exemplo, de indústrias calçadistas.

Guerra midiática

“GM e Ford, venham para a Bahia. Aqui, a gente honra os compromissos e está sempre andando na frente. Quando a gente fala Bahia com H de Honra, a gente fala de um estado que tem honra de cumprir todos os seus compromissos”, dizia o anúncio veiculado no jornal Estado de S. Paulo. O jeitinho brincalhão com fundo de verdade rendeu e em menos de uma semana a Ford procurou César Borges. Mas para ganhar esse racha, a Bahia teve de enfrentar gaúchos e paulistas, que pressionaram para que o governo federal barrasse a vinda da montadora.

Precisou então entrar na pista o senador Antonio Carlos Magalhães. De forma incisiva, ele capitaneou uma pressão para que o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, alterasse uma lei prorrogando o prazo de inscrição no regime automotivo para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, isso viabilizaria a instalação da Ford na Bahia. “ACM ligou para Brasília e disse: ‘A Bahia inteira vai romper com o governo federal. Falo aqui como senador e líder político. E o governador aqui vai confirmar a nossa posição. Nós ficaremos com nossa bancada contra o governo de FHC”, relembrou César Borges.

Secretário da Fazenda na época, Albérico Mascarenhas também participou das negociações com a montadora norte-americana. Segundo a versão dele, depois da ameaça, ACM viajou para Porto Seguro, onde se comprometeu a ficar calado, e deu uma semana para que o presidente resolvesse o imbróglio. A pressão deu certo e finalmente, em 2001, a planta da montadora foi instalada na Bahia com um investimento de US$ 1,2 bilhão.

Da chegada à partida

Para César Borges, a vinda da Ford foi um fato histórico para a Bahia. De acordo com ele, em 10 anos, a montadora duplicou o PIB (Produto Interno Bruto) da indústria baiana. Em contrapartida, em quase 20 anos no estado, a Ford pôde se beneficiar de reduções de até 100% no Imposto de Importação, isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados na aquisição de bens de capital e de Imposto de Renda sobre o lucro, conforme previa o regime especial da época. Procurada, a Secretaria da Fazenda da Bahia afirmou que, durante esse período, o estado arrecadou R$ 280 milhões com a montadora. A pasta, no entanto, não detalhou quanto deixou de ser arrecadado com a isenção. Com a decisão de saída da fábrica, o governo baiano recebeu da empresa um total de R$ 2,14 bilhões em indenização. 

Na época, a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia chegou a estimar que o adeus da Ford renderia um prejuízo de R$5 bilhões à economia do estado e afetaria cerca de 60 mil empregos diretos e indiretos. A montadora alegou que a decisão fazia parte de uma reestruturação da empresa e do mercado e que a pandemia da Covid-19 teria impactado muito a indústria. Nos bastidores, no entanto, a norte-americana reclamava de falta de diálogo por parte do governo federal. O então presidente Jair Bolsonaro (PL) se esquivou de qualquer culpa. Ele chegou a dizer que a Ford estava mentindo sobre sua saída “e, na verdade, queria mais subsídios para continuar no país”.