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Há 40 anos, era assassinada Florípes, a primeira travesti assumida das ruas de Salvador

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Há 40 anos, era assassinada Florípes, a primeira travesti assumida das ruas de Salvador

Conhecida como Alegria da Cidade, suas performances marcaram a vida da capital baiana nos anos 1960 e 70

Há 40 anos, era assassinada Florípes, a primeira travesti assumida das ruas de Salvador

Foto: Reprodução

Por: James Martins no dia 18 de julho de 2024 às 08:50

Atualizado: no dia 18 de julho de 2024 às 10:16

Dentre as figuras icônicas da Salvador dos anos 1970, uma das mais marcantes é, sem dúvida, o homossexual Florípes. De difícil classificação, às vezes é descrito como travesti, noutras como drag-queen (termo que não se utilizava em sua época), sempre, porém, com destaque ao seu pioneirismo. "Florípes, pioneira drag-queen de Salvador, assassinada em 1984", escreveu na legenda de uma postagem no Facebook, nesta quarta (17), o antropólogo, decano do movimento LGBTQIA+ brasileiro e fundador do GGB (Grupo Gay da Bahia), este também um pioneiro, Luiz Mott. 

No livro "Anos 70 Bahia" (Corrupio), de Sérgio Siqueira e Luiz Afonso, Florípes, nome "artístico" de Benito Matos, é figura de destaque entre outros nomes como o Guarda Pelé e a Mulher de Roxo. "Florípes, um dos personagens que habitavam o Pelourinho, não dispensava um galho de arruda atrás da orelha. Era o seu amuleto", diz o depoimento de Lígia Aguiar. 

E Eurico de Jesus completa: "Quando ele passava rebolando e cantando, vestido com roupas coloridas e extravagantes, a molecada irreverente gritava: 'Florípes, viado!'. Elegantemente ele seguia, caminhando lentamente e, muitos metros depois, pacientemente, ele parava, olhava para trá, suspirava, revirava os olhos, colocava as mãos nas cadeiras e respondia com voz de homem, estirando as vogais: 'SÓÓÓ NAAA BAAAHIIIAAAAAAA!' O povo na rua explodia em risos e aplausos, atrapalhando o trânsito. Um verdadeiro teatro neorrealista soteropolitano nos confins dos belos trópicos utópicos!".


Florípes abriu portas para a autenticidade nas ruas da cidade.
 
Conhecida como "Alegria da Cidade", antes mesmo da expressão batizar um sucesso de Lazzo Matumbi e Jorge Portugal, Florípes, que tinha algo de Madame Satã (1900-1976) na combinação de graça, dança e briga, morreu de forma brutal em julho de 1984. Há 40 anos, portanto. As versões são um tanto controversas e nebulosas para o ocorrido, mas a que mais se fixou nos anais da história soteropolitana diz que, no dia 3 de julho daquele ano a travesti teria brincado com um biscateiro no Mercado de São Miguel, na Baixa dos Sapateiros, e surrupiado um pedaço de carne do prato do homem que, contrariado, a agrediu com socos fatais.

"Horas depois, interrogado por um inspetor de polícia, teria dito que 'conhecia Florípes e não tinha nada contra ela', mas que 'a alegria dela irritava'", segundo matéria publicada por André Uzeda no jornal Correio em 2020. Na postagem de Mott, Florípes segue intrigando, seduzindo e causando discussão. "Um ícone em uma época que era inimaginável alguém assim! O vi muitas vezes na Carlos Gomes e região...", comentou um internauta.

Em 2022, o espetáculo “A Mulher de Roxo e Outras Histórias da Bahia”, dirigido por Adson Brito do Velho, levou ao palco do Espaço Cultural Casa 14, no Pelourinho, o ator Regis Spiner no papel de Florípes. "De fato, ela abriu as portas para um comportamento autêntico, onde a pessoa pode ser o que é de verdade. Hoje tem até uma cantora/banda chamada A Travestis, e isso se deve, em alguma medida, a Florípes lá atrás", diz a pesquisadora Janaína Meneses.