Cidade
Cidade
Vendedores enxergam com preocupação concessão da orla por 30 anos: "assassinato à cultura da praia"
A licitação para a seleção da única empresa que ficará responsável pela gestão de tendas e quiosques da orla foi aberta nesta terça-feira (26)
Foto: Metropress/Danilo Puridade
Sob o sol que quase racha a cabeça, os dias na orla soteropolitana já foram mais movimentados. Ainda assim, a cada memória ou passeio, os ambulantes e barraqueiros estão sempre lá: com queijo e melaço, com acarajé, pipoca ou bebidas. A realidade, no entanto, pode ser outra nos próximos anos. Pelo menos, é o que tem preocupado esses trabalhadores. Isso porque uma única empresa vai ser responsável pela gestão de até 34 quiosques e 70 tendas de praia, por meio de uma concessão de 30 anos. A licitação para a seleção dessa operadora foi aberta nesta terça-feira (26) e já preocupa trabalhadores da praia.
O futuro ordenamento para a região entre as praias da Boca do Rio, dos Artistas, Pituaçu e Patamares é mais uma pedra no sapato na caminhada dos vendedores ambulantes e donos de quiosques que operam na região há muitos anos. Domingas Conceição, vice-presidente da Associação de Barraqueiros das Festas Populares do Estado da Bahia, acredita que esta ação é um possível “assassinato à cultura da praia”. A líder já foi barraqueira em Itapuã e hoje atua como vendedora ambulante no bairro da Ribeira. Em 2010, sua barraca foi uma das demolidas segundo decisão dada pelo juiz Carlos D’Ávila, da 13ª Vara da Justiça Federal. Desde então, sua vida não foi a mesma, e ela acredita que essa licitação é a continuidade de um mesmo processo de apagamento.
“É uma tristeza que se prolonga nos últimos 14 anos. Derrubar ou substituir o trabalho dos barraqueiros de longa data por esses quiosques, sem a garantia de que teremos um espaço nisso, é um apagamento da história e supressão da nossa labuta”, disse. “Não há nenhum sinal de interesse do poder público em fazer um projeto que melhore a qualidade de vida e a empregabilidade dos barraqueiros e vendedores ambulantes. Quem tinha uma barraca, como eu, era um sucesso, uma riqueza extraordinária. Depois de uma perda em 2010, vem aí uma perda maior”, completa ela.
O edital para a escolha da concessionária menciona a preferência pela continuidade dos vendedores ambulantes cadastrados, mas não dá garantias. Em anexo ao documento, a prefeitura lista apenas 40 comerciantes na Boca do Rio e 20 em Pituaçu, número muito aquém do que realmente está distribuído nos 3,5 mil metros de extensão na área a ser requalificada. O documento ainda chega a citar que, “caso não seja possível o engajamento de parte dos vendedores ambulantes, por incompatibilidade com a estratégia de negócio da concessionária, estes deverão ser priorizados nos processos seletivos para contratação de funcionários” - ou seja, deixariam seus próprios negócios para se tornarem empregados.
Ouvido pela equipe do Repórter Metropole, o barraqueiro Domingos Rosa, que também teve sua barraca demolida em 2010, segue desacreditado que terá espaço na nova orla: “Você acha que vão fazer uma estrutura na frente da nossa barraca e vão nos deixar trabalhando no mesmo local?”, questiona. Trabalhador da mesma região, Carlos, que tem uma história de 52 anos como barraqueiro, critica o modelo do projeto. Para ele, “não podemos tentar imitar outros estados”. “Eu já me enganei várias vezes com projetos assim. Não temos água, luz, banheiro ou qualquer estrutura e não será agora que teremos”, relatou.
📲 Clique aqui para fazer parte do novo canal da Metropole no WhatsApp.