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Reforma destrói os icônicos dois leões do Largo dos 2 Leões e leva mais um pedaço da memória de Salvador

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Reforma destrói os icônicos dois leões do Largo dos 2 Leões e leva mais um pedaço da memória de Salvador

O Corpo de Bombeiros confirmou a retirada dos leões e informou que está fazendo o restauro deles

Reforma destrói os icônicos dois leões do Largo dos 2 Leões e leva mais um pedaço da memória de Salvador

Foto: James Martins / Metropress

Por: James Martins no dia 15 de agosto de 2024 às 10:33

Atualizado: no dia 15 de agosto de 2024 às 17:34

O Largo dos 2 Leões, em Salvador, na região da Baixa de Quintas, não tem esse nome por acaso. Ele se deve aos dois leões de louça instalados no pórtico de entrada de um casarão que acabaram se tornando uma referência tão importante que até batizaram o local. Mesmo depois de a construção original ser substituída pelo edifício moderno onde funcionou, até 2018, o Colégio Estadual Leopoldo dos Reis, os leões permaneceram em seu lugar, guardando o entrocamento e a memória da primeira capital do Brasil.

Porém, a reforma recente, destinada a instalar ali o 12º Batalhão de Bombeiros Militar (SALVAR), passou por cima da história e destruiu não apenas as pilastras, como também os dois leões, que agora são apenas lenda. "É uma pena, pois reforça a nossa falta de cuidado e compromisso com nossa própria memória. Uma cidade que fala tanto em tradição, mas não cuida. A verdade é que a maioria das pessoas (e pelo visto também os poderes públicos) não sabe a origem do nome e que o objeto que legou essa origem estava ali, vivo, dando significado à experiência urbana", diz a socióloga Jaiana Meneses, em conversa com o Metro1

E completa: "Em vez de serem preservados, restaurados, como testemunhas de um período em que aquele ponto servia de ligação entre Itapuã e a Cidade Baixa, por exemplo, foram tratados como lixo. Nem leão de chácara, que eram, nem sequer cabeça de porco. Isso é o reflexo perfeito de nossos gestores e políticos, infelizmente, e se reflete na população que somos e seremos".

Morador da região, o professor de História Adson Brito do Velho também lamenta: "Vejo com muita tristeza e também com muita preocupação, porque é o apagar da memória de um povo. É o apagar da memória coletiva, que faz parte da vida da população. Esse apagamento já vem há muito tempo, como no fato de não fazer parte da matriz curricular do ensino fundamental, nem do ensino médio, nenhuma disciplina sobre história da Bahia nem história de Salvador. Então, nossos jovens alunos ficam muito empobrecidos e sem o sentimento de pertencimento de sua própria história".


O Colégio Estadual Leopoldo dos Reis preservou os dois leões que batizaram o largo. 

Criador do grupo "Salvador Tem Muitas Histórias", no Facebook, e autor do livro recém-lançado "Quem Tem Medo da Mulher de Roxo?", Adson ressalta a necessidade de cautela com o patrimônio público ao serem realizadas as reformas inevitáveis e necessárias. "As reformas precisam ser mais cuidadosas. É muito cimento, muito concreto, muita viga de ferro... É preciso uma certa cautela ao fazer intervenções em nosso patrimônio", diz.

Para ele, o próprio fechamento do colégio já foi um equívoco: "É sempre uma tristeza para os pais e professores". Vale destacar que, em 2019, pais e alunos fizeram um abaixo-assinado, endereçado à Secretaria Estadual de Educação pedindo, sem sucesso, a reabertura do equipamento que atendia a estudantes de bairros como Pau Miúdo, Cidade Nova, Lapinha, Sete Portas e adjacências. "O batalhão dos bombeiros é importante, com certeza, mas podia ser instalado em outro lugar. Ali, pela história que tem, devia ser colocado um centro cultural", opina o professor.


A original "casa dos dois leões", em foto de Edgard Antunes, de 1945 (Acervo Iphan).

No acervo do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan) há registros fotográficos, de autoria de Edgard Antunes, datados de 1945, mostrando a "casa dos dois leões". O órgão, porém, que se destaca por uma atuação omissa em relação a Salvador, não teve a iniciativa de tombar e preservar os leões de louça ora devastados por mais um muro insalubre.

Ao Metro1, o Corpo de Bombeiros confirmou a retirada dos leões, mas informou que está fazendo o restauro deles. Informou ainda que as estruturas serão instaladas novamente no local após o processo de restauração e a conclusão das obras do batalhão. 


O retrato do descaso com a memória (Foto: James Martins / Metropress).