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60 anos do Golpe Militar: Conheça espaços de Salvador que foram sinônimos de resistência e repressão

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60 anos do Golpe Militar: Conheça espaços de Salvador que foram sinônimos de resistência e repressão

Entre este domingo (31) e a segunda-feira (1), o Golpe Militar completa 60 anos e o Metro1 levanta espaços que fizeram parte deste período, seja como centro de tortura ou como local de acolhimentos aos militantes

60 anos do Golpe Militar: Conheça espaços de Salvador que foram sinônimos de resistência e repressão

Foto: Roberto Viana/AGECOM

Por: Leticia Alvarez no dia 31 de março de 2024 às 11:30

Atualizado: no dia 02 de abril de 2024 às 15:23

Um dos períodos mais violentos da história recente do Brasil, o Golpe Militar de 1964, completa seis décadas entre este domingo (31) e a segunda-feira (1). As marcas do regime, no entanto, ainda permanecem atuais, apesar de passarem por um contínuo processo de apagamento histórico. 

Ao caminhar em Salvador, em frente ao Forte do Barbalho, poucas pessoas têm noção de que, há 60 anos, o local era considerado um dos maiores centros de tortura da capital.

Paulo Pontes, professor de Economia aposentado da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), foi um dos torturados no espaço. Capturado pelos militares em 1970, o economista relatou o que presenciou dentro das torres do Forte, em entrevista ao Metro1.

O professor chegou em Salvador meses antes de ser preso, em fevereiro, no sábado de Carnaval. Natural de Pernambuco, ele desembarcou na capital baiana clandestinamente, já que era um líder estudantil procurado pelos agentes do governo.

"Fui preso no Dique do Tororó. Preso não, sequestrado. Os policiais estavam em um Jipe, me pegaram à força e começaram a tortura na mesma noite, no prédio da Polícia Federal, que naquela época ficava bem próximo ao Mercado Modelo", afirmou Paulo Pontes.

"Dois ou três dias depois me levaram para o Forte do Barbalho, onde passei mais dez dias seguidos sendo torturado. Eles torturavam a gente, fisicamente e psicologicamente, durante a folga do expediente da instituição, que era de 9h às 15h. Era tudo levado como algo institucional", completou.

Além dos porões

Apesar de ter sido o principal centro de repressão de Salvador, a Fortaleza do Barbalho não era o único local de tortura na cidade. Segundo levantamento da Comissão Estadual da Verdade (CEV-BA), 13 espaços foram utilizados durante o regime militar com a mesma finalidade.

O Forte de São Pedro, o Quartel de Amaralina e a Base Aérea são outros nomes citados na lista produzida pelo órgão. O último local, inclusive, foi denunciado em uma reportagem do 'Fantástico', em 2004, pela queima de documentos sigilosos da ditadura.

"Esse episódio da queima de documentação na Base Aérea foi um escândalo porque, na mesma época, havia uma movimentação grande para que o governo liberasse o acesso aos documentos oficiais da ditadura. Os pedaços dos textos foram encontrados queimados, com a clara intenção de suprimir, destruir, essa parte da nossa história", relembrou Carlos Zacarias, professor associado do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

O lado da resistência

Em paralelo aos centros de repressão, existiam os de resistência. A Ufba teve um papel significativo nesse aspecto, graças à força do movimento estudantil e do corpo docente, que de forma geral era contrário ao regime.


Divulgação/Ufba

Carlos Zacarias pontuou que a ditadura tinha interesse de manter as faculdades, por reconhecer a importância da mão de obra especializada no projeto de Brasil idealizado pelos militares. No entanto, como a propagação de ideias oposicionistas não era bem-vinda no regime, as instituições de ensino superior costumavam ser vigiadas.

"No meio da resistência, tinha gente disfarçada, que relatava as movimentações da comunidade acadêmica universitária para órgãos como o SNI [Serviço Nacional de Inteligência] e o Dops [Departamento de Ordem Política Social], ambos diretamente ligados ao projeto de dominação dos opositores", iniciou o historiador.

"A universidade era um espaço onde se recrutava boa parte dos militantes. Não foram poucas as pessoas atingidas pela repressão dentro da instituição. De lá, saiu muita gente presa, perseguida e torturada por não concordar com o que era pregado pelos militares", acrescentou.

Acolhimento

Em razão da vigilância, sair da mira dos militares era uma tarefa complicada durante a ditadura civil-brasileira. Na capital baiana, alguns lugares funcionaram como esconderijo e espaço de acolhimento aos perseguidos pelo regime, como o Mosteiro de São Bento da Bahia, no Centro Histórico.

Mesmo com a invasão de policiais no templo religioso em busca dos fugitivos, até 1985, diversos jovens conseguiram escapar da tortura após se abrigarem nos pátios do mosteiro e serem beneficiados com doações. O abade do templo, Dom Timóteo Amoroso, era conhecido por ser um progressista e o "principal líder contestador do Estado".


Reprodução/ Instagram Mosteiro de São Bento

No livro 'Igrejas e a Ditadura Militar na Bahia', de autoria do professor Joviniano Neto, há um relato do próprio abade que demonstra a tensão com os militares da época. 

 "Eu fiquei no centro do portal e eles, assim com armas, querendo entrar. Eu disse: não posso permitir. Vocês têm algum mandado policial (sic) para entrar aqui? Porque eu nem invoco a natureza de templo religioso, mas domicílio civil. Aí, um tenente disse: 'mas que mandado judicial? O senhor está dando abrigo a vagabundos que estão fazendo encrencas na rua e tumultuando'... E eu fiquei conversando com ele para dar tempo [dos estudantes fugirem]." 

No palco do Vila

Outro local que exerceu um papel importante no acolhimento de estudantes, artistas e militantes perseguidos em Salvador foi o Teatro Vila Velha. Inaugurado quatro meses após o regime ser estabelecido, em 1964, o equipamento cultural abriu as portas para aqueles que não se conformavam com as barbáries do governo.

O teatro também abrigou centenas de reuniões do movimento estudantil. Como forma de represália, teve textos censurados, sofreu com corte de verbas, além de ter perdido colaboradores e artistas para prisão.

Simbolicamente, foi no Vila que as anistias políticas de duas figuras importantes durante a ditadura, o cineasta Glauber Rocha e o guerrilheiro Carlos Marighella, foram julgadas e aprovadas. "O espaço perdurou, se manteve fiel ao que acreditava apesar de tudo e conseguiu prestar apoio para muita gente", concluiu Carlos Zacarias.