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Militante do MR-8 relembra período da ditadura: “Era o que deveria ser feito e eu fiz”

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Militante do MR-8 relembra período da ditadura: “Era o que deveria ser feito e eu fiz”

Quarto personagem da série especial Histórias de Resistência, o professor José Carlos compartilha sua luta na guerrilha urbana MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) contra a ditadura

Militante do MR-8 relembra período da ditadura: “Era o que deveria ser feito e eu fiz”

Foto: Reprodução/marxistas.org

Por: Gláucia Campos no dia 29 de março de 2024 às 14:30

Atualizado: no dia 01 de abril de 2024 às 18:07

Em setembro de 1969 acontecia um dos eventos mais marcantes da Ditadura Militar no Brasil, o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick no Rio de Janeiro. A autoria do rapto era dos grupos de guerrilha urbana MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) e ANL (Aliança Nacional Libertadora). Ambos foram responsáveis por reunir jovens dispostos a lutar contra o regime. Dentre eles estava José Carlos Souza - codinome Rocha - que em 1967, aos dezessete anos, decidiu que iria compor os quadros do MR-8.

Souza era estudante do ensino médio no Colégio Central da Bahia, localizado em Salvador, fazia parte do movimento estudantil secundarista e era militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), quando decidiu se juntar ao grupo. Assim, José Carlos, conhecido também como Zé Carlos, inicia sua militância na esquerda armada. 

Hasta siempre, Comandante Lamarca

Nas fileiras do MR-8, José Carlos teve como companheiros alguns nomes conhecidos da política nacional como César Benjamin Queiroz - ex-secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro de 2017 a 2018 -, e o militar Carlos Lamarca. Este último foi uma das figuras mais importantes da luta da esquerda armada durante a ditadura e precisou fugir do Rio de Janeiro para o sertão da Bahia, devido à perseguição política. Quem o ajudou na fuga foi José Carlos. 

“Eu o conheci, fui eu quem transportei ele do Rio de Janeiro para a Bahia. Não tinha a mínima ideia de quem era e ninguém me disse: ‘olha você vai transportar o Capitão Carlos Lamarca’. Era um quadro da organização que estava em perigo e eu era encarregado de fazer a logística e o transporte, e isso foi feito”, contou o guerrilheiro.

A repressão e perseguição aos comunistas durante o governo era intensa e por isso os militantes eram informados apenas do essencial sobre suas tarefas. “Toda a movimentação da esquerda, especialmente da esquerda armada, não era uma coisa que tivesse muito contato com as pessoas, até por conta da segurança de todos”, disse.

Foto: Deops/Apesp

O cerco

Em agosto de 1971, José Carlos andava pela Avenida Sete de Setembro, em Salvador, acompanhado de César Benjamin Queiroz, quando foi preso por militares e levado para o forte do Barbalho. O local era o principal centro de tortura na Bahia durante o regime.

“César conseguiu se livrar do policial que estava em cima dele, até porque quem me apontou na rua para a polícia me prender não o conhecia. Eu fui preso e aí passei uma noite de sexta-feira, teve as sessões de pancadas, mas deixaram a violência mais pesada para o sábado, no dia seguinte”, relembra.

Souza passou dois anos preso e sendo submetido a diferentes tipos de interrogatórios e sessões de tortura. Chegando a ser interrogado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). “Ele era conhecido como maior torturador do período. Veio de São Paulo só para me interrogar porque ele tinha muito interesse em matar o capitão Lamarca. Estavam com a ideia de que eu sabia onde ele estava. Então ele veio para me torturar, ele realmente era muito violento”, disse.

Os militares queriam que Zé Carlos revelasse informações sobre seus companheiros e ele decidiu usar isso a seu favor o quanto pode: “Eles não sabiam o que me perguntar objetivamente para chegar em algum lugar. Inventei que tinha um encontro no entroncamento de São Sebastião do Passé, isso fez com que eles fossem para lá gastar o dia para constatar que nada tinha. Voltavam um pouco mais irados e batiam muito mais em você. Mas isso fazia parte do jogo de quem é torturado e de quem está ali para tirar sua confissão”.

Preservar a memória

Após sua soltura, José Carlos ingressou na graduação de História na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e se tornou professor de algumas escolas da capital baiana. Ao rememorar seu período de militância diz não ter arrependimentos. “Sou muito grato por esse período, naquele momento era o que deveria ser feito e eu fiz. Acho que dificilmente alguém que estivesse de alguma forma preocupado com a situação do mundo não se mobilizasse. Eu sinto um pouco de orgulho de ter feito alguma coisa, era uma uma catástrofe que estava se abatendo sobre nós”, disse.

Para o professor há uma necessidade de manter em evidência a memória dos acontecimentos da ditadura. “É como se fosse uma questão pedagógica. Vai nos indicar que precisa ter atenção dobrada para que essas coisas não se repitam, para que jamais tenhamos uma outra ditadura”, concluiu.

Esta matéria também faz parte da série História de Resistência, lançada pelo Metro1 nesta semana, quando o golpe militar brasileiro completa  60 anos. Com seis reportagens, a produção busca relembrar os horrores vividos na ditadura, retratando histórias de baianos que foram perseguidos ou tiveram suas vidas modificadas pelo regime. Além de Zé Carlos, nomes como Carlinhos MarighellaEmiliano José, Joviniano Neto, Olival FreireDiva Santana também fazem parte.