Bahia
“O que eu sofri foi tão menor diante do sofrimento que testemunhei", diz Joviniano Neto, baiano perseguido pela Ditadura
Terceiro personagem da série especial Histórias de Resistência, o baiano Joviniano Neto compartilha seus relatos vividos e relembra histórias de amigos que sofreram com os horrores do golpe militar brasileiro, que completa 60 anos
Embora afirme que não vivenciou a repressão da mesma maneira que seus amigos e colegas, muitos deles mortos e torturados, o hoje professor aposentado da Ufba (Universidade Federal da Bahia) Joviniano Neto relembra com pesar os dias vividos sob a Ditadura Militar Brasileira. Aos 23 anos, enquanto se formava em Direito, ele testemunhou os anos cinzentos da repressão.
Eram dias de ameaças, intimações e convivência com os horrores do regime militar. Joviniano constantemente era convocado pela Polícia Federal para depor. Ele chegou, inclusive, a ser alvo de investigações. O telefone de sua residência tocava e quando atendido revelava ligações ameaçadoras. Seus empregos, sua bolsa de estudos em Ciência Política no exterior foram perdidos sem explicações, mas com uma única e clara razão: repressão política.
Em entrevista ao Metro1, Joviniano rememora dias doloridos, destacando o desaparecimento político de seu amigo Jorge Leal Gonçalves Pereira. Engenheiro baiano, ele trabalhava na Refinaria de Mataripe da Petrobras e partiu para o Rio de Janeiro, onde passou a integrar movimentos militantes. “Ele desapareceu nos porões da ditadura. Foi visto pela última vez no Batalhão da Polícia do Exército, na Barão de Mesquita, no Rio”, mencionou.
“O que eu sofri foi tão menor diante do sofrimento que testemunhei nas pessoas próximas a mim, que nunca senti a necessidade de pedir anistia", reflete Joviniano.
Segundo o professor, apesar dos locais de tortura, poucos eram mortos no estado. Os baianos saiam daqui para guerrilhar ou militar em outros estados e não voltavam mais. Foi o caso de Carlos Marighella, considerado "inimigo número 1 da ditadura" e morto em São Paulo, e Dinaelza Santana, cujas últimas notícias davam conta de que ela havia sido morta na região do rio Araguaia, fronteira entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins. Ambas as histórias já foram relembradas na série especial de reportagens do Metro1 sobre a ditadura.
Esta matéria também faz parte da série História de Resistência, lançada pelo Metro1 nesta semana, quando o golpe militar brasileiro completa 60 anos. Com seis reportagens, a produção retrata histórias de baianos que foram perseguidos ou tiveram suas vidas modificadas pela ditadura. Além de Joviniano, nomes como Carlinhos Marighella, Emiliano José, José Carlos Souza, Olival Freire e Diva Santana também farão parte.
Lembranças e lutas
Apesar de nunca ter pedido anistia, Joviniano, que é também doutor em Comunicação, engajou-se no Comitê Baiano pela Verdade e atualmente ocupa o cargo de vice-presidente no grupo Tortura Nunca Mais. "Quando convidado para integrar o Comitê pela Anistia, fiz questão de esclarecer que não era uma sanção como um meio de esquecer o passado. Apesar da origem etimológica da palavra 'anistia' remeter ao esquecimento, não pretendo deixar de lado minhas experiências", afirma.
Loreta Kiefer Valadares é outra amiga lembrada por Joviniano. Natural de Porto Alegre, ela veio morar em Salvador e conheceu o colega na faculdade. O professor relembra que Loreta e seu companheiro, Carlos Valadares, foram vítimas de inúmeras formas de tortura durante o regime. Eles foram submetidos a cruéis interrogatórios, e Loreta foi forçada a presenciar o brutal espancamento de seu marido, que estava amarrado pelas mãos e pés, no pátio do 12º Regimento da Infantaria, em Minas Gerais.
"Era um momento de luta contra a ameaça constante da repressão. Com a imprensa sendo censurada, aprendemos a ler nas entrelinhas. Eu tinha que avaliar até onde poderia ir para denunciar o que estava acontecendo", destaca.
Em homenagem à memória de Loreta, Salvador recebeu o Centro de Referência Loreta Valadares, que oferece apoio a mulheres em situação de violência. A rua que leva o nome de Jorge Leal Gonçalves, em Itapagipe, é uma homenagem ao desaparecido político que ali viveu. "A identidade de cada pessoa depende de sua história e de sua memória", completa Joviniano, quem aos 83 anos, permanece firme na missão de manter viva a história de seus colegas e de dias cruéis.
📲 Clique aqui para fazer parte do novo canal da Metropole no WhatsApp.