Bahia
"Ferida que não fecha”: a busca da baiana Diva Santana pelo corpo da irmã morta na Ditadura Militar
Militante na guerrilha do Araguaia, Dinaelza Santana Coqueiro foi morta pelo regime, assim como o seu marido, Vandick Reidner Pereira Coqueiro, mas os corpos nunca foram devolvidos às famílias. Sua irmã, Diva Santana, é a segunda entrevistada da série de reportagens do Metro1 Histórias de Resistência
Foto: Reprodução/Apub
“Há mais de 48 anos eu busco saber o paradeiro da minha irmã”. Foi com a voz embargada que Diva Santana começou a revisitar um capítulo da sua história que jamais esteve adormecido. A baiana está entre as centenas de familiares que perderam um ente querido para as barbáries cometidas pela Ditadura Militar brasileira e nunca tiveram o direito de enterrar os seus mortos.
O ano era 1971, quando já imperava o Ato Inconstitucional número 5, o mais duro e autoritário de todos. Naquele contexto, a jovem conquistense Dinaelza Santana Coqueiro, de 20 anos, militante do PCdoB, e o seu marido, Vandick Reidner Pereira Coqueiro, 21, se viram obrigados a deixar Salvador para não serem mortos pelo regime.
Dinaelza se despediu da família em janeiro daquele ano, no que veio a se tornar o último contato dela com os pais e irmãs, e deu início a uma busca interminável. “Após uns seis ou oito meses dela fora daqui de Salvador, nós recebemos cartas falando onde estava morando, de uma maneira bem leve, contando que plantava mandioca e que estava feliz. Daí para cá, não soubemos absolutamente de mais nada”, contou Diva em entrevista ao Metro1.
Esta matéria faz parte da série História de Resistência, lançada pelo Metro1 nesta semana, quando o golpe militar brasileiro completa 60 anos. Com seis reportagens, a produção retrata histórias de baianos que foram perseguidos ou tiveram suas vidas modificadas pela ditadura. Além de Diva, nomes como Carlinhos Marighella, Emiliano José, Joviniano Neto, José Carlos Souza, Olival Freire também fazem parte.
O paradeiro de Dinaelza retratado pela carta era a região do rio Araguaia, conhecida como “Bico do Papagaio”, localizada na fronteira entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins. A estudante esteve entre as cerca de 16 mulheres que formaram o movimento guerrilheiro que se opôs à Ditadura Militar.
Após cinco anos de angústia, veio a primeira pista: preso em 1972, José Genoino Neto, também integrante da resistência armada, disse em entrevista acreditar que quase todos de Araguaia estavam mortos. Entre as vítimas, ele cita “Maria Dina”, que teria chegado da Bahia. O nome era um dos apelidos de Dinaelza.
O palpite estava correto. A guerrilha ficou conhecida como um dos maiores massacres da Ditadura Militar no país. Segundo os dados disponíveis hoje, 62 militantes e ao menos 17 camponeses foram assassinados e Dinaelza estava entre eles. Foi somente em 2013, que Diva Santana pôde ouvir de uma testemunha como a sua irmã teve a vida ceifada.
Foto: Reprodução/arquivo
De acordo com o depoimento de um capataz prestado à Comissão dos Mortos e Desaparecidos da Presidência, Dinaelza foi presa por um fazendeiro devido à recompensa de seis mil cruzeiros que era ofertada a qualquer um que capturasse quem resistia ao regime, e morta por militares em maio de 1974. Àquela altura, Vandick Reidner já havia sido executado, no mês de janeiro daquele mesmo ano.
“É a única história que eu tenho. Eu fui tantas vezes naquela região, na esperança de encontrar nem que fosse um dedinho dela. Nossa cultura é de enterrar nossos mortos e não poder fazer isso é uma ferida que não fecha. Meu pai, antes de morrer, me dizia: ‘Diva, toda vez que abro a porta acho que vou encontrar Dinaelza’ e eu só faltava morrer, porque sabia que ele não ia. Mas ele morreu com essa dor”.
A luta
A saga pelo paradeiro da irmã e do cunhado definiu os caminhos da vida de Diva. Até chegar ao depoimento em 2013, um longo caminho de luta foi travado. Na década de 80, a baiana ajudou a fundar comitês de anistiados e de familiares de vítimas do Araguaia, o que a tornou uma das maiores precursoras em campanhas para esclarecimento das mortes e localização dos corpos dos desaparecidos.
Até 1990, Diva tornou-se alvo do regime e foi monitorada e perseguida por agentes da Ditadura Militar, através do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI). Em 1995, dez anos após o fim do comando militar no país, a lei número 9.140 reconheceu como mortas “pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”, expedindo as certidões de óbito.
“É um documento horrível, mas que só existiu depois de muita luta nossa. Local da morte: a máquina bate o pontinho, não tem. Local de sepultamento a mesma coisa, não tem”, conta Diva.
“Viva eu sei que a minha irmã não está, mas eu não quero página virada, eu quero página contada na história do Brasil e com verdade. Essa história precisa ser contada para as novas gerações. O que me move são aquelas mães que hoje são aquelas mães, de cabelos brancos, que nunca tiveram os corpos de seus filhos para enterrar, assim como a minha mãe não teve esse direito”, concluiu.
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