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Quarta-feira, 24 de abril de 2024

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O Afeganistão, Bob Jefferson e Sérgio Reis

O Afeganistão, Bob Jefferson e Sérgio Reis

Todos os limites da ultrapassagem do absurdo são quebrados várias vezes por dia, dia após dia

O Afeganistão, Bob Jefferson e Sérgio Reis

Foto: Reprodução Jornal da Metropole

Por: Malu Fontes no dia 19 de agosto de 2021 às 08:21

O clichê segundo o qual uma imagem vale mais que mil palavras é facilmente desmontável por quem sabe usar as palavras, mas recomenda-se não levar essa discussão para os problematizadores. Num átimo de segundo, já terão envolvido num ritual de cancelamento argumentos puxados da comunidade surda, da deficiência visual, conceitos da semiótica, teses sobre ilusão de ótica, preconceito linguístico e um ‘meu olho minhas regras’. 

Esse nariz de cera todo é só para introduzir a conclusão da semana: os afegãos pendurados nas partes externas de um avião cargueiro, os talibãs atracados na mesa do poder em Cabul, a tosquice do ex-deputado Roberto Jefferson com armas amarradas ao corpo em vídeos incitando a violência contra as instituições, e o figurino da dupla agro-sertaneja formada pelos cantores Sérgio Reis e Eduardo Araujo são imagens comprobatórias do quanto o mundo em agosto de 2021 é um lugar medonho para se estar. E deixemos de lado as imagens terríveis do Haiti, aquela esquina perdida do mundo para onde Deus parece ter desistido de olhar desde sempre. 

Não é nem justo misturar as cenas do enésimo terremoto do Haiti a essas imagens afegãs e brasileiras, pois nas coisas da natureza, como os terremotos, não há voluntarismo nem decisão humana, diferente do teatro de absurdos como se vê nos talibãs árabes e nos nossos, tão toscos e orgulhosos da sua imbecilidade cafona. Soa incrível como um governo democraticamente eleito não tema o constrangimento, em nível tão profundo, a ponto de abrir a agenda do presidente para recepcionar nos palácios do Planalto e da Alvorada apoiadores do quilate de Roberto Jefferson, Sérgio Reis e Eduardo Araújo. E nem é pela bizarrice das figuras: um idoso patético enroscado em armas, um cantor com roupas assimétricas à corpulência arrematadas por uma gravata azul oscilando entre o brilho e a oleosidade, e outro todo de preto, com um chapéu soturno de jagunço de filme latino de baixo orçamento. O limite do constrangimento atropelou a estética e ultrapassou as fronteiras do tolerável quando se via o conteúdo das pautas. 

DOR DE BARRIGA E RIBANCEIRA - Com uns amigos de convescote palacianos daquela estirpe, quem precisa de inimigos, de oposição, de adversidades políticas, sanitárias, econômicas e sociais geradas por uma pandemia global? Se Bolsonaro se candidatar e perder a eleição, isso se dará muito mais pela overdose dele e dos seus apoiadores do que pelos acertos de seus adversários. Todos os limites da ultrapassagem do absurdo são quebrados várias vezes por dia, dia após dia. 

A pantomima de Sérgio Reis foi tão ruim, tão ruim, ao se autoproclamar embaixador do golpe em nome do agronegócio e dos caminhoneiros que no dia seguinte, embora com outras palavras, a mulher dele corria para a imprensa para pedir clemência: era só um idoso diabético que havia tomado uns gorós, ficado bêbado, ido a umas reuniões de aposentados do agro, feito uns vídeos, dito umas coisas, gravado uns áudios e agora estava chorando em casa, com ressaca, dor de barriga e se achando usado e incompreendido. E também o de sempre, claro. Havia sido mal interpretado.

Quando ainda não tínhamos superado o constrangimento abissal pelos tanques enferrujados e fumacentos desfilando e fingindo pompa e circunstâncias em frente ao Palácio do Planalto, o que vemos: o presidente em mangas de camisa apertadinha na beira de umas ribanceiras de terra e poeira no interior de Goiás, na zona rural de Formosa prestigiando um suposto treinamento militar. E gerando conteúdo para aplausos nas redes bolsonaristas, os fóruns dos talibãs tropicais e da familícia. Não estranhem se a tosquice toda não aparecer repaginada em imagens digitais slim num documentário do Brasil Paralelo Oficial, que está bombando na campanha promocional ‘pague cinco reais por mês e seja um membro da Brasil Paralelo’. Tem planos patriotas para todos os bolsos. E nenhum país de garantia nem cargueiro para a gente se pendurar em fuga.