Faça parte do canal da Metropole no WhatsApp >>

Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Home

/

Artigos

/

A fumaça dos tanques e os ratos do Congresso

A fumaça dos tanques e os ratos do Congresso

Bolsonaro sente-se acuado e, consciente de sua fragilidade popular e eleitoral, usa a simbologia de tanques na rua para blefar uma força que não tem

A fumaça dos tanques e os ratos do Congresso

Foto: Reprodução Jornal da Metropole

Por: Malu Fontes no dia 12 de agosto de 2021 às 08:45

Era 10 de agosto de 2021, mas imagens de Brasília na manhã da terça-feira davam a impressão de termos despertado em algum tempo localizado dos anos 60, 70. Tanques militares desfilavam num cortejo estranhíssimo em frente ao Palácio do Planalto. No mesmo dia, numa tragicômica e melancólica comédia, o Congresso Nacional iria se posicionar à tarde sobre o segundo desejo mais importante do presidente da República: trazer de volta ao sistema eleitoral o voto impresso. Sim, o segundo, pois todo mundo sabe que é o primeiro desejo do capitão é dar um golpe militaresco e, sem sequer perguntar ao centrão, anunciar que não vai mais ter eleição. 

As versões para tanques enferrujados acenando com fumaça para Jair Bolsonaro são várias. Todas desmoralizantes. Tanto para o país como para um chefe de nação democraticamente eleito e para as Forças Armadas brasileiras. A versão oficial, pois há uma, era a de que foi um desfile republicano normalíssimo, agendado há tempos, para entregar ao presidente da República um convite para comparecer a um treinamento das três forças militares que será realizado na segunda-feira, 16 de agosto, em Formosa, Goiás, nos arredores de Brasília. 

Bem, se todos aqueles salamaleques, com tanta gente envolvida, tanto diesel consumido e pago com dinheiro público, eram apenas uma ‘tanqueata’ para entregar um envelope com um convite dentro, para o presidente comparecer a um evento que ainda vai acontecer, imaginemos qual será a dimensão do evento em si. Não deixa de ser simbólico que se empreenda tamanho esforço, com tantos militares envolvidos, tantos veículos militares, para entregar um envelope. A não ser que tenha sido uma metáfora muito cifrada do quanto haverá de modernização e celeridade no sistema de entregas de correspondências e produtos aos brasileiros após a privatização dos Correios, aprovada esta semana no Congresso. 

PIADA - Duas das interpretações muito frequentes na imprensa e nas redes são convergentes e antagônicas ao mesmo tempo. Há quem ache que, por estar perdendo popularidade e diante dos índices de rejeição à sua gestão, Bolsonaro sente-se acuado e, consciente de sua fragilidade popular e eleitoral, usa a simbologia de tanques na rua para blefar uma força que não tem. Mas há quem traduza a fumaceira de terça-feira como o oposto de fragilidade: o presidente, irritado com as críticas e com os brasileiros que manifestam insatisfação, recorre às Forças Armadas para ameaçar, inclusive o Congresso, num aviso: ou vocês aprovam a volta da urna de papel, ou eu posso intervir militarmente e continuar no cargo sem voto e sem vocês. O tempo e a história dirão. Hoje, consenso mesmo só diante do diagnóstico de que os tanques com motores podres poluindo Brasilia se tornaram piada, dentro e fora do país. 

Apesar dos tanques, o dia terminou com a frustração do presidente. Bolsonaro precisava de 308 votos para ter de volta o voto em papel. Conseguiu 229. 218 votaram contra, Aécio Neves se absteve, uma piada pronta, e os demais dos 513 estavam ausentes. Nos casos em que não foi um diagnóstico de doença grave que os impediu de inscreverem-se na história dizendo de qual lado dela estão, deve ter sido por mera vontade de assemelharem-se a ratos comuns. Na dúvida de escancarar o que pensam, e sem saber se o barco vai afundar ou emergir, nem de fugir são capazes: escondem-se.