Voz do Torcedor
Apesar de você
Confira o artigo de Diego Assis sobre o futebol feminino do Vitória
Foto: Divulgação/ECV/Maurícia da Matta
Quando na ocasião do aniversário de 121 anos do clube, tratei neste mesmo espaço acerca da história pioneira e o orgulho que existe em o Vitória ser um clube historicamente poliesportivo.
Pra pincelar melhor essa nossa característica histórica basta mencionar que o Vitória teve o seu primeiro time de vôlei nos anos 30, o seu primeiro time de basquete nos anos 60, além do remo, atletismo, do outrora popular cricket e claro, do futebol.
Inclusive, quanto ao futebol o nosso pioneirismo foi além. Enquanto a prática do futebol feminino foi permitida no Brasil, (o decreto lei nº 13.199/41, outorgado por Getúlio Vargas proibiu a pratica de futebol entre as mulheres sob a justificativa de que “aquele esporte não combinava com a formação física do belo sexo”) o Vitória teve seu próprio time.
Na década de 1950, o Vitória montou, a partir das suas equipes femininas de atletismo, basquete e vôlei (modalidades onde o leão era hegemônico) a sua equipe feminina. Durante o tempo que a prática foi permitida, a equipe feminina do Vitória nunca foi derrotada. Nesta época existia um movimento crescente de mulheres que começavam a prática da modalidade no país, razão pela qual diversos clubes foram fundados ou passaram a ter o seu elenco feminino também. Nessa época a Bahia possuía o reconhecimento nacional como o Estado onde melhor se praticava o esporte.
A proibição freou o avanço, consolidação e profissionalização da modalidade no Brasil, criando a associação machista de que o futebol é um esporte prioritariamente masculino. Não é. A lei só veio a ser derrubada na década de 1980.
Hoje, o mundo do futebol converge no sentido de recuperar o tempo perdido numa luta que envolve também o enfrentamento do machismo. Na última Copa do Mundo da modalidade, que inclusive teve audiência mundial estimada em 481,5 milhões de pessoas, e a final entre EUA x Holanda alcançando 82,18 milhões (56% a mais que na copa anterior), atletas de diversas seleções chamavam a atenção do mundo para a diferença de remuneração entre as equipes femininas e masculinas. A seleção americana, campeã do torneio, inclusive tendo muito mais sucesso na modalidade que os homens, mesmo assim, recebendo menos que os selecionados da equipe masculina.
A luta é evidentemente árdua, mas encontra um horizonte promissor. Os grandes clubes europeus têm passado a investir na formação de times competitivos para a modalidade. O Olympique Lyon, por exemplo, enquanto no masculino é um time de estatura mediana, no feminino é um gigante onde possui 6 títulos europeus, inclusive os 4 últimos consecutivos.
Voltando para o Vitória, apesar do título invicto do campeonato baiano em 2018, lamentavelmente a diretoria do clube desmanchou a equipe no ano seguinte, mesmo após essa mesma equipe conseguir a manutenção na série A 2019 (isso ocorreu porque o campeonato baiano acontece após o fim do brasileiro), se tornando a ÚNICA equipe nordestina a disputar a competição. Em 2018, inclusive, vale frisar que a equipe feminina fez 31 jogos, com 24 vitórias, 6 empates e apenas 1 derrota, cominando com o acesso invicto à primeira divisão que veio com uma derrota para o Minas nos pênaltis, ficando assim com o vice-campeonato.
Tudo apontava que o Vitória caminhava pra se tornar outra vez, a exemplo dos anos 1950, uma força no futebol feminino se não nacional, certamente estadual e regional.
O time feminino não foi oficialmente encerrado apenas porque a CBF atualmente, dentro da lógica de valorização da competição e da modalidade, tornou obrigatório a existência da modalidade em todos os clubes que disputam as séries A e B, entretanto, o que vem sido feito com a modalidade é uma vergonha para quem ama o Vitória e desumano para quem aprecia o esporte.
Você torcedor se sente bem ao saber que em algum esporte o Vitória está mal representado e sendo constantemente humilhado?
O desmonte da equipe feminina é responsável pela terrível prática de colocar garotas do sub-17 para disputar um campeonato profissional, contra atletas profissionais. Você consegue imaginar o Vitória sub-17 disputando o Campeonato Brasileiro da série A? Não é possível pois não seria aceitável. Nesse triste e melancólico fim para os rubro-negros e rubro-negras que passavam a acompanhar a modalidade tivemos que dar adeus a atletas promissoras como Anny, Rute, Gadu, Roqueline e aquela que já vinha conquistando os torcedores: Verena.
Perdemos protagonismo, hegemonia e eu me recuso a acreditar que exista um torcedor do Vitória que não dê a menor importância pra isso, mas o que ocorreu nesses últimos dias é ainda mais grave.
Com a pandemia, as atletas que – prestem bem atenção – REPRESENTAM O VITÓRIA, VESTEM NOSSA CAMISA, estão passando necessidade sem qualquer auxílio do clube. Exatamente por alguns clubes apresentarem dificuldades financeiras nesse período, o que é absolutamente compreensível, a CBF destinou verba oriunda da Liga Feminina para auxílio e sustento das atletas do time feminino (ou seja, sem o time feminino na série A, o Vitória não receberia essa quantia) no valor de 120 mil reais, este valor não apenas não foi repassado para as garotas, e as atletas que representam essa instituição seguem passando dificuldades sem qualquer tipo de auxílio. Apenas um outro time da série A havia feito o mesmo que o Vitória, o Iranduba do Amazonas, tradicional na modalidade, destinando a totalidade do valor recebido, para quitação de parte da sua divida.
Diante das denúncias de atletas já desesperadas, conselheiros da Frente Vitória Popular promoveram uma arrecadação para auxiliar as atletas do nosso time, não apenas atuando como torcedores em apoio às atletas que nos representam, mas também como uma atitude de humanidade num momento delicado que o país enfrente em razão da pandemia.
Assusta notar que o mandatário rubro-negro não apenas não apoia a campanha, ele faz questão de combate-la! O que o incomoda? O apoio ao futebol feminino? Conselheiros e torcedores fazerem o que ele não fez? Que as atletas do futebol feminino deixem de passar dificuldades?
Seja qual a resposta, não há justificativa que não o coloque como o errado de toda essa história. As recentes declarações são um misto vergonhoso de destempero e autoritarismo que diminui o Vitória, nos torna protagonista de um caso vexaminoso, sem qualquer ponto positivo a se desfrutar disso tudo. O presidente do Vitória, que desde a campanha defendia que o futebol feminino não treinaria no mesmo espaço do masculino, agora declara guerra a modalidade e atacando todos e todas que de alguma forma procuram defende-las.
Não se trata de politicagem, exige-se apenas que o dinheiro que foi destinado para auxiliar a equipe feminina tenha o fim ao qual se destinou originalmente, ainda que sem vinculação obrigatória, uma vez que sem o time o Vitória sequer teria acesso a essa verba, a correta destinação é antes de tudo um ato de responsabilidade de um gestor para com as atletas que representam sua instituição.
Ocorre dessa forma uma ruptura irremediável. Qual a vontade, orgulho que essas atletas nacionalmente humilhadas terão em vestir essa camisa outra vez? Qual o clima que há para que possam trabalhar novamente aos comandos de um presidente que as desprezou quando elas mais precisaram?
A verdade é que o Vitória sofre os efeitos das atitudes irresponsáveis de seu presidente a degradação e humilhação pública, a desconfiança técnica e esportiva. Prejuízos imensuráveis para o prosseguimento da modalidade, afinal, se é uma obrigação, qual atleta irá querer vestir as cores do Vitória enquanto esse senhor for presidente?
Ao contrário do que parece pensar o hoje presidente do clube, ele não é o Vitória.
Ele é hoje o responsável pelo clube, mas ele não determina as tradições rubro-negras, ele não apaga nossa história, ele não determina o que pensam os seus torcedores, ele não diz o que é essa agremiação centenária. O Vitória é muito maior que ele.
E ainda que em seus rompantes descontrolados esbraveje que ele se quiser fecha o clube, há homens e mulheres, sócios, conselheiros, torcedores conscientes do tamanho dele na estrutura de poder e das alternativas legais e estatutárias para frear desmandos autoritários.
Ele não é o Vitória, ele não será o Vitória, ele passará e o Vitória continuará.
E eu tenho certeza que um dia (não muito longe, espero) o futebol feminino será uma força no Brasil, com uma liga forte e consolidada, e o Vitória será parte disso. Já a ele, quando passar e o Vitória permanecer, restará a menção histórica da pessoa que tentou acabar com o Futebol Feminino e se opôs a campanha da torcida para auxílio das garotas num momento delicado.
Nós seguiremos Vitória, no masculino e no feminino, apesar de você.
*As opiniões colocadas neste texto não representam, necessariamente, a posição do Grupo Metrópole
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