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Quinta-feira, 28 de março de 2024

Um advogado, um feminicídio, as eleições da OAB e o porteiro

O caso acabou respingando na Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, Seção Bahia, tragando a instituição para um redemoinho de críticas e já atingiu a campanha eleitoral para a sucessão da atual diretoria da instituição

Um advogado, um feminicídio, as eleições da OAB e o porteiro

Foto: Reprodução Jornal da Metropole

Por: Malu Fontes no dia 21 de outubro de 2021 às 09:04

A prisão, em flagrante, do advogado José Luiz de Britto Meira Júnior, 50 anos, acusado de matar a namorada, Késia Stefany da Silva Ribeiro, 21 anos, com um tiro na boca, ilustra não só mais um caso bárbaro de feminicídio em Salvador. O caso acabou respingando na Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB, Seção Bahia, tragando a instituição para um redemoinho de críticas, questionamentos, polêmicas e, embora até aqui o assunto circule apenas em conversas de bastidores, já atingiu a campanha eleitoral para a sucessão da atual diretoria da instituição. Com a ajuda de quem tem protagonismo na campanha, claro. 

Pela primeira vez na história, as duas chapas concorrentes são encabeçadas por mulheres e trazem como pauta o empoderamento feminino, e não só como retórica de campanha. A campanha para as eleições da diretoria da OAB, para o triênio 2021-2023, está polarizada entre duas mulheres: De um lado, a chapa Movimento União pela Advocacia, tendo como candidatas Daniela Borges, candidata a presidente, e Christianne Gurgel, a vice. Do outro, Por Amor à Democracia, com Ana Patrícia Leão e Carlos Tourinho, candidatos à presidência e à vice, respectivamente. 

A votação se dará no dia 24 de novembro, e basta acompanhar os perfis das duas candidatas concorrentes e os da maioria dos profissionais do direito na Bahia para se ter uma ideia do acirramento do embate. Nesse contexto, eis que, como nos melhores livros de ficção policial, surge um cadáver, um homicídio no meio da campanha. Um crime mais explosivo ainda, para a Ordem, por dois aspectos: trata-se de um feminicídio, e o acusado não é somente advogado. Luiz Meira era, até ser preso, membro da Comissão de Prerrogativas da OAB. 

Desde que a notícia dando conta do assassinato de Késia e da consequente prisão de Meira se espalharam, a repercussão ultrapassou os muros da indignação por um caso que se soma à série de feminicídios e respingou sobre a OAB. Há uma legislação nacional em vigor, desde 1994, garantindo a todo e qualquer advogado o direito de, em caso de prisão, ter a prerrogativa de, antes de processo transitado em julgado e antes de condenação, não ir para e prisão e para celas comuns. Só pode ser detido “em Sala de Estado Maior”. Como em Salvador – e até que se prove o contrário, em nenhuma cidade brasileira – não há essa Sala de Estado Maior, sem grades, situada em lugar físico contíguo a uma sede de uma das Forças Amadas e longe de outros custodiados, o juiz Horácio Moraes Pinheiro decretou que Luiz Meira deve ficar em prisão preventiva domiciliar. 

Como uma coisa é a lei, seu cumprimento, a decisão de juízes e, outra, bem diferente, é a comoção da opinião publica diante de crimes bárbaros de ampla repercussão e a tolerância do senso comum para entender porque códigos de leis são assim para uns e assado para outros, um chão de polêmicas se abriu, tragando a OAB. No tribunal do cancelamento das redes, os críticos acusam a Ordem de corporativismo, de machismo, de proteger homem, rico, criminoso, advogado. A razão deve-se ao fato de a OAB defender o direito, assegurado em lei e em obediência à decisão de um juiz, de Meira cumprir prisão domiciliar até julgamento e condenação. Em nota divulgada no final da tarde da quarta-feira, a Ordem reitera que, nos últimos três anos, 16 advogados na Bahia tiveram suas prisões preventivas transformadas em domiciliares e que a entidade não defende acusados dos crimes cometidos por eles: apenas defende prerrogativas legais de garantir o que está na legislação quanto à forma de punição. 

O PORTEIRO - Mas não só por isso a OAB vem sendo atacada. Na quarta-feira, a entidade foi criticada na imprensa por ter acionado a Justiça para pedir sigilo do processo penal contra Luiz Meira, o que caracterizaria proteção e parcialidade da Ordem em benefício explicito a um dos seus integrantes. Na mesma nota que reitera não defender o crime, mas o cumprimento da lei, o presidente da OAB, Fabrício Castro, anuncia a demissão de uma advogada do cargo de procuradora da Ordem, sem citar nomes, pelo fato de esta, segundo a nota, ter tomado a iniciativa de fazer a solicitação de sigilo ao poder judiciário sem consultar seus superiores. As duas candidatas à presidência da entidade se manifestaram em suas redes, com textos protocolares. O episódio, as criticas à OAB e o tipo de crime cometido são, agora, uma manada de elefantes numa loja de cristais, para as duas candidatas, cujo discurso é ancorado no protagonismo feminino. 

Uma coisa parece certa: dificilmente Meira irá para a cadeia antes de julgamento. Deve prorrogar até onde puder a prisão domiciliar. De acusado de matar na namorada com um tiro na boca (coisa que o tal pedido de sigilo tentou esconder, além da idade do moço, sabe-se lá porque), Luiz Meira tem investido na estratégia de se passar por vítima involuntária de uma tragedia passional. Tem abraçado com força as mais torpes e clássicas das teses adotadas por acusados de feminicídio: arrola tudo de mais desqualificador para desmoralizar Késia: imoralidade, vulgaridade, vício em drogas, violência (da parte dela) e tudo o que podem os canalhas quando confrontados com suas fraquezas e covardias. O tiro na boca? Foi um incidente, claro. Segundo ele, era ela quem estava com a arma. Ah, e não estranhem se o porteiro for acusado de omissão. Sim, há quem diga que Késia morreu porque o porteiro não cumpriu seu papel: chamar a polícia. E quando os porteiros são acusados, não há OAB, prisão domiciliar, nem pedido de segredo de justiça para processo. A lei é isso mesmo. Funciona assim para uns, assada para outros. E são os códigos, claro.

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