Faça parte do canal da Metropole no WhatsApp >>

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Quando as escolas voltam?  

Quando se fala em crianças e Covid, o primeiro fenômeno que aparece como comum a todas elas é o fechamento das escolas, a suspensão das aulas presenciais

Quando as escolas voltam?  

Foto: Reprodução Jornal da Metropole

Por: Malu Fontes no dia 22 de julho de 2021 às 08:21

Um dos caminhos mais fáceis para atrair haters em redes sociais é escrever qualquer coisa em uma delas defendendo alguma forma de retorno às aulas presenciais. A desqualificação moral, social, econômica e intelectual, associada a xingamentos e ofensas, é apenas a portinha de boas-vindas na discussão. É linchamento digital e cancelamento certos. Na loteria involuntária dos prejuízos causados no mundo pela pandemia, ninguém pode dizer que não tem consciência do quanto a parte que coube às crianças foi gigantesca. Nada, nenhum benefício futuro, preencherá os buracos gerados por um ano e meio - se tudo der certo daqui para a frente - na vida das crianças. Das mais pobres então, nem é buraco. É uma erosão ampla e profunda. 

Quando se fala em crianças e Covid, o primeiro fenômeno que aparece como comum a todas elas é o fechamento das escolas, a suspensão das aulas presenciais. Embora com prejuízos e longe de conseguirem resultados de excelência, as escolas privadas tentaram se adaptar ao ensino remoto, graças à possibilidade do setor e das famílias de adotarem equipamentos, tecnologia e redes de conexão para manter as aulas. Mas e quanto às crianças das escolas públicas e as mais pobres entre elas? Não há tablet, não há celular, não há conexão, não há parentes em casa para apoio pedagógico mínimo.  Da parte das escolas, em boa parte dos estados brasileiros não houve oferta de serviços capazes de atender os alunos ou equipar e treinar professores. 

Com as dimensões continentais que tem, o Brasil é heterogêneo em tudo, inclusive na infraestrutura dos estados e das políticas públicas garantidas na rede pública de ensino. Na Bahia, um ano e quatro meses depois do fechamento das escolas, o retorno presencial às aulas se transformou num debate em que críticas, ofensas e desqualificação substituíram argumentos racionais. No caso de muitas famílias, entram em cena, claro, razões subjetivas e especificidades que merecem todo o respeito do mundo, mas convenhamos: não há possibilidade de atender determinadas reivindicações, pois elas são, em síntese, estudos de caso. 

É claro que determinadas e específicas circunstâncias de familiares, de professores ou de alunos, que os deixam mais vulneráveis ao contágio e aos riscos de agravamento, interferem na aprovação ou reprovação da retomada das aulas presenciais. Mas, a essa altura da pandemia, das experiências testadas no mundo, dos avanços e recuos em uma série de serviços, a única coisa possível de saber é que não haverá tão cedo consenso sobre a volta às aulas. Em nenhum lugar do mundo será possível levar em conta as especificidades de cada família ou até de cada escola, em termos físicos, para reabrir as salas de aulas. 

LADAINHA - É difícil falar disso sem grudar em si um alvo de haters, mas quem aí tem argumentos capazes de convencer um país de que é da ordem do aceitável testar a volta de tudo, menos das escolas? E, antes de xingar quem faz a pergunta, conte até 10 e veja se você não está falando de especificidades ou se, na vida real, não tem feito com sua vida uma série de coisas mais potencialmente arriscadas, em se tratando do vírus, do que dar uma aula presencial ou mandar crianças e jovens de sua família para a escola. Entre os posts inflados de ativismo e de certezas irrevogáveis nas redes e a vida no chão da rua, às vezes, há um grand canyon. E a melhor forma de impor seu ponto de vista único como a coisa mais óbvia parida pelos deuses todos e encerrar um debate é a ladainha do ‘você é burra, uma privilegiada de merda, gado anencéfalo ou vá você ou mande sua mãe’. 

Observando-se a briga que se espraia pela imprensa e pelas redes, entre pais, professores, governantes e especialistas, a impressão que fica por ora é a de que, se prevalecer a posição dos contrários à volta às aulas, as crianças continuarão em casa por longos meses. Que tal para sempre? O que não faltam são projetos de parlamentares reacionários propondo a legalidade de pais educarem seus filhos em casa e como bem quiserem. O nome da coisa é lindo: homeschooling. O efeito? Vá lá saber. 

O vírus não parou de circular, ninguém sabe como essa tragédia termina, por quanto tempo a imunização vai valer, nem como será a briga entre diferentes vacinas e diferentes variáveis do vírus. Mas se tudo, tudo, já ensaiou alguma possibilidade de retomada, quem pode determinar que ainda não dá para exercitar algum tipo de retomada das aulas? Quem serão os iluminados que terão a primazia exclusiva de definir quando será o agora quanto à educação de crianças e adolescentes que já atrasaram tanto a vida? Aos cinco anos, aos 10, aos 14, dois anos não são apenas dois anos.

Artigos Relacionados