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Quarta-feira, 17 de abril de 2024

O entusiasta cloroquinista emudeceu

O protagonista da semana e vencedor do ranking dos memes da vez é o empresário e milionário Carlos Wizard, um paranaense filho de caminhoneiro que fez fortuna com empresas como o curso de idiomas que leva seu nome e a rede de lojas Mundo Verde

O entusiasta cloroquinista emudeceu

Foto: Reprodução Rádio Metropole

Por: Malu Fontes no dia 01 de julho de 2021 às 11:25

Com Lázaro Barbosa morto, o tema do debate na esfera pública voltou a ser monocórdico: a CPI e a vacina. Longe de ser tediosa, a trama tecida nos bastidores do governo e do Ministério da Saúde tornou-se mais próxima da fronteira entre política e polícia. Personagens novas entraram em cena. Uma ex-mulher de ministro, um suposto vendedor de vacina denunciando tentativa de suborno, empresários de marcas que não produzem nada e nem sede têm, e um secretário exonerado do ministério, acusado de corrupção e cobrança de propina. No roteiro, referências bíblicas usadas por depoentes e parlamentares numa constância insólita. 

O protagonista da semana e vencedor do ranking dos memes da vez é o empresário e milionário Carlos Wizard, um paranaense filho de caminhoneiro que fez fortuna com empresas como o curso de idiomas que leva seu nome e a rede de lojas Mundo Verde. Extremamente religioso, autor de vários de livros de autoajuda sobre sua própria história de superação e enriquecimento, Wizard se tornou uma das vozes mais aplaudidos do  governo Bolsonaro. Na CPI, paradoxalmente, a eloquência do empresário altruísta, benfeitor, do coach do tratamento precoce, deu lugar a um homem quase mudo, de uma frase só. 

O empresário se tornou, desde o início da pandemia, um militante bastante ativo da defesa do tratamento precoce contra a Covid, propagador da tese de inflação do número de mortos da pandemia, pelos governadores, segundo ele para desviar recursos públicos, e apontado como integrante privilegiado do gabinete paralelo que aconselha o presidente Jair Bolsonaro. A esse gabinete é atribuída a responsabilidade pelo convencimento do presidente a não comprar as vacinas ofertadas pelos desenvolvedores quando ainda era baixo o número de mortos no Brasil pelo vírus. A não compra fez com que o Brasil se tornasse o segundo país do mundo em mortes. 

Convocado pela CPI, Wizard resistiu de todas as formas a comparecer. Primeiro, argumentando que estava fora do país. Depois, recorrendo a estratégias jurídicas. Acabou sendo forçado a comparecer, mas, amparado por uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, Wizard passou toda a sessão, por horas e horas, repetindo a mesma frase: "Me reservo ao direito de permanecer em silêncio”. Como a cultura do print e a mineração de vídeos em redes sociais são implacáveis, o silêncio de um até ontem eloquente e entusiasta cloroquinista foi um espetáculo constrangedor. 

JABUTI - Confrontado, ao vivo, com vídeos em que aparece sorridente, em diversas circunstâncias e diante de vários interlocutores também sorridentes, ironizando mortes de pessoas que não usaram o kit COVID, Wizard parecia encenar involuntariamente um teatro em que ele próprio fracassava numa autoacareação. O espelho entre o Wizard depoente calado e o Wizard minerado nas redes e ofertado ao público em transmissão nacional tornava o silêncio mais constrangedor e mais incriminador que quaisquer revelações feitas. O trecho de vídeo em que Leda Nagle e ele, como entrevistado, riem de 40 mortos por COVID em Porto Feliz (SP) é um escárnio. 

Como está na modinha a expressão jabuti, associado, no Congresso Nacional, a artifícios pouco honestos e estratégicos colocados em textos de lei para favorecer pessoas e setores, política e economicamente, Wizard é um jabuti na mesa da República. O dito popular, segundo o qual quando se vê jabuti atrepado ou foi enchente ou mão de gente, leva à pergunta, neste caso: o que autoriza um mórmon empresário milionário como Wizard a falar em público, desde que não seja em uma CPI, com tanta propriedade sobre vírus, tratamento e dados epidemiológicos? Quem, o quê, autoriza essa gente?